Cidadãos se alistam para guerra civil contra ditadura

Entre 10 e 15 novos recrutas se apresentam diariamente nas bases das cidades ‘liberadas’ para obter armas e treinamento

BENGHAZI – Quando estava na idade do alistamento militar obrigatório, 18 anos, Sultan Rashidi usou de influências familiares para não servir o Exército. Agora com 41 anos, ele se apresentou ao Quartel 2 de Março, em Benghazi, como voluntário para lutar contra as forças leais ao ditador Muamar Kadafi. Como Rashidi, entre 10 e 15 novos recrutas se apresentam todos os dias a essa e outras bases do Exército nas cidades “liberadas”, para receber treinamento, farda e armas para a guerra civil que parece aproximar-se, caso Kadafi não renuncie ao poder.

Rashidi conta que tomou a decisão de apresentar-se depois que dois de seus primos, Mohamed, de 31 anos, e Faraj, de 41, foram mortos no dia 17 por mercenários da África negra (chamados pelos líbios simplesmente de “africanos”, embora a Líbia seja um país do Norte da África, porém árabe). Ele diz que viu fotos de um desses mercenários sendo detido pelos manifestantes. Funcionário da estatal Jehaz al-Marafeq, do setor de infraestrutura, Rashidi disse que sua decisão é “natural”, depois de ver o seu país ser “invadido por mercenários”.

Vestindo sua nova farda verde oliva, ele começou o treinamento dia 20, e já aprendeu a desmontar e montar peças de artilharia antiaérea na base, que pertence ao Corpo de Engenharia, e cujo nome – 2 de Março – lembra o dia de 1977 no qual Kadafi supostamente entregou seus poderes “ao povo”, por meio de conselhos locais. À pergunta sobre se acredita que sua missão será defender Benghazi ou tomar Trípoli, Rashidi responde, sorrindo: “Tanto faz. Se ficarmos aqui, Kadafi virá. Se formos para lá, vamos enfrentá-lo lá.”

Um número equivalente ao de recrutas – entre 10 e 20 – passa todos os dias pela base, mas com um plano diferente: a caminho de Trípoli. Segundo o tenente-coronel Ibrahim Ali, são voluntários que agem por conta própria, sem nenhuma coordenação do Exército. Na base, eles buscam alguma instrução e seguem em pequenos comboios pela estrada de 1.000 km em direção à capital, na qual enfrentam barreiras das forças leais a Kadafi.

No comando do Exército em Benghazi, um grupo de coronéis trabalha num plano para a tomada de Trípoli. Mas esse plano só deve ser posto em prática quando houver deserções em número mais expressivo nos quartéis da capital. Segundo o tenente-coronel Ali, os oficiais em Trípoli não apóiam o regime, mas suas famílias estão sob ameaça dos Kataeb Amin (literalmente Quartéis de Segurança), as unidades de elite fiéis a Kadafi, em geral ligadas a ele por laços tribais. “Eles vão desertar. Estão só esperando uma chance. É questão de tempo.”

Um Conselho Militar, composto de 15 integrantes, começou a trabalhar ontem em Benghazi, para coordenar as ações das Forças Armadas em todas as cidades “liberadas” do país. Os militares também mantêm contato – embora não coordenação – com oficiais em cidades sob disputa, como Misratah, situada a leste de Trípoli.

Ali afirma que, embora as Kataeb sejam mais bem equipadas, não inspiram medo nas forças regulares. “Eles são mercenários, a maioria nem é líbia, está lá pelo dinheiro, não luta por seu país nem pelos seus filhos, como nós”, enfatizou o tenente-coronel. “Nós estamos prontos a morrer, eles não. Por isso somos mais fortes.”

Publicado no Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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