Sentado no banco do passageiro, Abdul-Manem al-Madhouni liderava na sexta-feira um comboio de cerca de 200 veículos a oeste de Ajdabiya, na linha móvel que divide os territórios controlados pelos rebeldes e pelas forças do ditador Muamar Kadafi. Um tiro de fuzil o atingiu no peito. O veterano do Afeganistão e comandante da Brigada Omar al-Mokhtar abriu a porta do carro e saltou na estrada. O comboio parou. Uma granada propelida por foguete explodiu perto dele. “Não esperem, continuem”, gritou. Levantou-se, deu alguns passos e caiu morto, contaram membros de sua brigada.
Al-Madhouni, de 41 anos, voltara no mês passado à Líbia, depois de 20 anos de exílio no Afeganistão e no Irã, para finalmente lutar no seu país o que para ele e seu grupo era uma jihad (guerra santa) contra Kadafi. Além de comandar a brigada, ele transmitia à liderança rebelde em Benghazi, por meio de um telefone via satélite, coordenadas das posições das forças de Kadafi no terreno, que eram enviadas ao comando da Otan, para orientar seus bombardeios.
A parceria é uma das ironias dessa guerra. A organização da qual Al-Madhouni era um dos dirigentes, Al-Jamaa al-Islamiya al-Mokatila, ou Movimento Combatente Islâmico, está na lista de grupos terroristas da ONU, como franquia da Al-Qaeda na Líbia. Em sua primeira entrevista ao voltar para a Líbia, e também a primeira em que deu seu nome verdadeiro e se deixou fotografar, Al-Madhouni disse ao Estado, no dia 27, que ele e sua organização nunca pertenceram à Al-Qaeda. Foram convidados por Osama bin Laden, mas preferiam se concentrar na luta contra Kadafi, alvo de quatro atentados do grupo entre 1994 e 1997, em vez de estendê-la aos Estados Unidos. “Nós rezávamos do lado de Bin Laden na mesquita, como qualquer outro”, recordou Al-Madhouni.
Na tentativa de livrar-se do estigma de terrorista, o grupo tinha acabado de mudar seu nome para Al-Harakat al-Islamiya al-Libya, Movimento Islâmico Líbio. Al-Madhouni deu a entrevista ao lado de outro líder da organização, Abdullah Mansour al-Zwei, de 42 anos, também recém-chegado do exílio na Grã-Bretanha. Ambos foram para o Afeganistão em 1989, pouco antes do fim da guerra de dez anos para expulsar os soviéticos do país. Aquela jihad reuniu milhares de combatentes de todo o mundo muçulmano que, desde então, passaram a formar uma espécie de fraternidade internacional.
Al-Madhouni e Al-Zwei obtiveram autorização do conselho de 12 dirigentes da organização para conceder a entrevista ao Estado. Eles não negaram que o grupo acalenta, para o futuro, uma proposta fundamentalista para a Líbia. “Primeiro, precisamos construir um estado de direito, com base na liberdade”, ponderou Al-Madhouni, antes de completar: “A Líbia é um país muçulmano”. Al-Zwei acrescentou: “Somos iguais aos outros grupos, aos liberais, que pensam que a proposta deles é a melhor para o país. Mas não queremos obrigar o povo, nem eliminar os outros”.
Depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, Al-Madhouni levou sua mulher e filhos do Afeganistão para o Paquistão e exilou-se no Irã, onde acabou preso durante 7 anos e meio, aparentemente como parte da estratégia iraniana de tentar usar suspeitos de integrar a Al-Qaeda como moeda de troca com os Estados Unidos. Ao dar seu nome verdadeiro ao Estado, ele se mostrou otimista: “Chega de nomes de guerra. Está tudo acabado”, disse, referindo-se ao regime de Kadafi. Depois da guerra, ele tinha planos de voltar para casa e acabar de criar os filhos.
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