Moradores fogem para o deserto com medo de que a cidade seja bombardeada por forças leais ao regime de Kadafi
BIN JAWAD, Líbia – Com 20 mil habitantes, Bin Jawad era uma cidade-fantasma ontem. “Todos que tinham carro foram embora”, disse Abdel-Salam Gobaili, cuja família de 15 membros foi uma das poucas que ficaram na cidade. Ele contou que cinco de seus parentes foram mortos. Três eram civis, incluindo uma criança de 9 anos, atingidos em casa pela artilharia de um helicóptero. Os outros dois eram shebab (“jovens”), como são chamados os combatentes rebeldes civis. Gobaili e seus parentes disseram também que “muitos” jovens foram levados embora ou mortos pelos membros das kataeb (brigadas) leais ao ditador Muamar Kadafi.
Os moradores de Bin Jawad, muitos de origem beduína, fugiram para o deserto no domingo, quando os rebeldes avançaram para retomar a cidade, segundo Gobaili com medo que ela fosse bombardeada com foguetes pelas forças de Kadafi. Gobaili, de 47 anos, que trabalha como técnico de materiais na Ras Lanuf Oil Company, garantiu, no entanto, que os moradores apoiam os rebeldes.
No dia 6, quando as kataeb reconquistaram a cidade, contendo o avanço dos rebeldes em direção a oeste, ficou a impressão de que a população local, depois de ter recebido bem os shebab na véspera, havia se voltado contra eles. Franco-atiradores dispararam contra os rebeldes de dentro das casas. Gobaili e alguns moradores que começavam a retornar ontem à cidade garantiram no entanto que sempre apoiaram os rebeldes, e que os membros das kataeb invadiram suas casas e tomaram civis como reféns e escudos humanos.
“Kadafi massacrou a minha tribo, Gobaili, em Zawaiya”, argumentou o técnico, como prova de que não apoia o ditador. Seu pai, Salah, trouxe um cabrito para ser fotografado: “Foi o último que sobrou de um rebanho de 30 cabras roubadas pelos homens de Kadafi.” Ele disse que as outras tribos da cidade – Maghrabi, Arabi, Musrati e Shehi – também estão do lado dos shebab.
Segundo Gobaili, quem apoiava Kadafi na cidade era um grupo de imigrantes do Níger e da Mauritânia, que vieram morar em Bin Jawad há cerca de 10 a 15 anos, para trabalhar na refinaria de Ras Lanuf. Ele não soube precisar quantos, mas disse que eram “muitos”. Outros moradores disseram que 13 mercenários africanos tinham sido prendidos pelos rebeldes na véspera.
Enquanto o repórter conversava na porta da casa da família Gobaili, aproximou-se um operário egípcio de 23 anos, chamado Mahmud Mujahed. Ele disse que era a primeira vez em 25 dias que saía de casa. Mujahed, que trabalha numa fábrica de blocos de concreto em Bin Jawad, onde mora há três anos, afirmou que três famílias egípcias ficaram confinadas desde o início da disputa pela cidade, com medo de serem pegas pelas forças do regime. Uma mulher deu à luz em casa há cinco dias. “Kadafi odeia os egípcios”, disse Mujahed, sem saber explicar por quê. “Vamos voltar já para o Egito. Queremos liberdade.”
Na entrada da cidade, repetia-se ontem uma cena que o Estado tinha presenciado em seguida à queda de Ajdabiya, no sábado: homens procuravam parentes que teriam sido sequestrados ou executados pelas kataeb. Um homem de Ajdabiya afirmou que sabia do caso de seis garotas da cidade tinham sido raptadas pelos soldados do regime. Duas delas – uma de 18 e outra de 16 anos – voltaram contando que tinham sido estupradas. As outras quatro continuavam desaparecidas.
Ras Lanuf, conjunto residencial de 2 mil casas para trabalhadores do complexo petroquímico, também estava inteiramente deserta ontem. A cidade está sem água desde o início da ofensiva, há três semanas. Seu único hotel, El-Fadeel, convertido em quartel-general dos rebeldes depois que tomaram a cidade no dia 4, foi destruído pelas kataeb. A mesquita situada na entrada da cidade também foi seriamente danificada pelos foguetes e disparos de fuzis.
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