Foi na tarde de 18 de fevereiro que ela reapareceu.
BENGHAZI – No momento exato em que as manifestações pacíficas por reformas democráticas, duramente reprimidas, ganhavam a feição de levante armado, os benghazis pareciam precisar de um símbolo para fazer a passagem do protesto para o enfrentamento aberto – do qual sabiam não haver volta. Foi isso que passou a representar a bandeira da independência de 1951, banida e substituída pela verde de Muamar Kadafi.
Ninguém sabe exatamente de quem foi a ideia, que instantaneamente se tornou a ideia de todos.
Várias confecções e costureiros, assim como pessoas comuns, começaram imediatamente a fazer as bandeiras, que se espalharam pelo leste do país. Hoje, ela está nos uniformes dos guardas mirins de trânsito, nas telas dos celulares e dos computadores, em colantes e broches, nos carros, nas casas e nas trincheiras de areia do deserto. Até os milicianos dos Lejan Thowria, os comitês revolucionários leais a Kadafi, a adotaram, só que trocando a posição da faixa verde e a da preta, como código para se identificar entre si, quando despertaram de suas células adormecidas, durante a invasão de Benghazi, dia 19.
Ao assumir o poder por meio de um golpe militar que destronou o rei Idris Sanussi, em 1969, Kadafi procurou eliminar os símbolos da monarquia e reescrever a história segundo a sua óptica. Sem consultar a família, destruiu o mausoléu do herói da independência Omar al-Mokhtar em Benghazi, exumou seu corpo e o transferiu para Soluk, 50 km ao sul, onde ele foi enforcado pelos colonizadores italianos em 1931. Mudou o calendário, renomeando os meses e passando a contar os anos a partir da morte de Maomé, e não mais da sua fuga de Meca para Medina, para tentar diminuir a importância da Arábia Saudita, sua rival regional, aonde os peregrinos acorrem na Hégira.
E criou uma nova bandeira, totalmente verde.
A cor tornou-se uma obsessão do ditador. Por lei, todas as portas de lojas da Líbia têm de ser obrigatoriamente verdes. E objeto do ódio dos opositores, que a usam para limpar solas de sapatos, cortam em tiras com facas e queimam, em atos de catarse.
As cores da bandeira da independência agora adotada na faixa de mil quilômetros controlada pelos rebeldes, entre a fronteira com o Egito e o complexo petrolífero de Ras Lanuf, simbolizam sentimentos da época da independência, plenamente aplicáveis a esta “revolução”: o vermelho representa o sangue dos “mártires”; o preto, o luto pela sua morte; o verde, a esperança de dias melhores. O crescente, no centro, é o símbolo do Islã. Na versão anterior, era acompanhado de três estrelas, representando três províncias em que a Líbia se dividia; agora, vem com apenas uma estrela, que significa a união do país. “Não é a bandeira do rei Idris”, diz Mustafa Gheriani, de 54 anos, porta-voz do Conselho Provisório Líbio. “É a bandeira da Líbia. Crescemos vendo-a como a nossa bandeira.”
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