Em pregação a milhares de rebeldes, alguns com fuzis, líder religioso de Benghazi incentiva luta contra Kadafi
BENGHAZI – Uma chuva fria caía sobre as 50 mil pessoas reunidas na Praça dos Mártires, em Benghazi, para a oração do meio-dia da sexta-feira, a mais importante da semana. Os seguidores do Islã – nascido no deserto – consideram a chuva uma bênção e acreditam que um pedido feito sob ela é atendido por Alá. Nabil Sathi, imam (líder religioso) de Benghazi, deixou claro o seu desejo: “Muamar Kadafi, vá embora. Detestamos você. Se não sair, vamos tirá-lo daí.”
O clérigo aconselhou aos rebeldes que festejam com seus fuzis a tomada há duas semanas de Benghazi, a segunda maior cidade do país, com 1 milhão de habitantes: “Vocês têm celebrado nos últimos dias dando tiros para o alto, enquanto seus irmãos de Trípoli estão sofrendo. Se vocês têm armas e coragem, vão para Trípoli ajudar seus irmãos.” Os jovens ao redor do repórter do Estado pediram: “Leve-me para Trípoli.”
Houve manifestações contra o governo ontem também na capital, duramente reprimidas pelas forças de segurança, com bombas de gás lacrimogêneo. Centenas de pessoas teriam sido presas do lado de fora de uma mesquita em Tajura, na periferia de Trípoli.
Como primeiro passo, o imam recomendou a todos os que tenham armas que vão para Brega, 230 km a oeste de Benghazi, onde estão uma refinaria, terminal portuário e gasoduto, tomada pelas forças de Kadafi e recuperada pelos rebeldes na quarta-feira. “Fiquem lá com seus irmãos. A cada dia vamos avançar mais para o oeste.”
Em sua pregação de quase uma hora, Sathi eletrizou os fiéis, associando a vontade de Deus ao movimento popular para derrubar o ditador líbio. “No Alcorão, temos um verso que diz que as pessoas que lutam contra os criminosos não morrem, vivem ao lado de Alá”, citou o imam. “Não há revolução sem o sangue dos mártires, que torna nossa terra verde. A chuva nos traz um sinal de que, com a misericórdia de Deus, vamos vencer em breve.”
Sathi continuou, referindo-se às potências ocidentais e à força naval americana estacionada na costa líbia: “Não precisamos de ajuda de fora. Temos homens corajosos que podem derrotar Kadafi em Trípoli.”
Noutra passagem de sua pregação, Sathi exortou: “Que a História se levante e escreva com o sangue dos mártires os crimes que Kadafi e seus mercenários cometeram; que seja testemunha dessa cena, que mostra a revolução feita pelos mais jovens.”
O imam agradeceu o apoio do vizinho Egito, que enviou ontem quatro caminhões grandes e quatro pequenos com mantimentos e medicamentos, destinados às cidades de Ajdabiya (160 km a oeste de Benghazi) e Brega. “Nossa revolução veio da sua revolução”, disse Sathi, referindo-se ao movimento que derrubou no dia 11 o ditador Hosni Mubarak, no poder havia 30 anos (11 a menos que Kadafi).
A multidão ouvia extasiada e em silêncio, sem sequer gritar as habituais expressões de apoio, como “Allah-u-akbar” (“Deus é grande”). Somente ao final da pregação, foi que as dezenas de milhares de pessoas gritaram ao deixar a Praça dos Mártires, onde os protestos contra o regime líbio começaram, dia 15: “Kadafi, você está com medo e é criminoso. Todos os líbios são irmãos.” E também: “Diga a Muamar e a seus filhos que na Líbia há homens.”
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