Forças de Kadafi disparam tiros de fuzil contra família que fugia dos bombardeios em Benghazi
BENGHAZI – Mohamed Asheraf geme de dor e levanta o braço que pode mover, o direito. O esquerdo está amarrado à grade da cama, e tem um dreno para retirar sangue contaminado, que forma uma grande mancha vermelha no lençol. Seu pequeno peito é coberto por dois grandes curativos e três cabos que monitoram seu coração. Mohamed, de cinco anos, ainda não sabe, mas seu pai morreu no sábado, e sua mãe está em coma numa cama em frente à sua, na unidade de terapia intensiva do Hospital Al-Jalal, no sul de Benghazi. Atingida por um tiro de fuzil na cabeça, ela ainda respira mas não deve sobreviver. Assim como seu pai Ahmed, Mohamed levou um tiro no peito.
Os três saíam de carro de casa, no bairro de classe média alta de Tapalino, com a intenção de fugir do bombardeio de foguetes e dos disparos de fuzis e granadas, quando foram vistos por homens que passavam num Toyota Land Cruiser bege, o veículo padrão das forças de elite de Muamar Kadafi.
Segundo testemunhas, os homens voltaram com seu carro, dispararam os fuzis contra a família e seguiram caminho. A história da família Asheraf é um exemplo de como as forças de Kadafi procuraram espalhar o pavor entre os moradores de Benghazi – e noutras cidades que caíram nas mãos dos rebeldes, como Ajdabiya, Misrata e Zawiya.
Noutro grande hospital de Benghazi, o Hawari, um auxiliar de ambulância era submetido ontem à tarde a uma cirurgia para retirar a bala de fuzil de seu peito. O médico Jamal Bin Amr contou que telefonaram para o hospital no sábado, pedindo uma ambulância. Quando ela chegou ao local, abriram fogo. “Foi uma armadilha”, disse Amr. Quatro homens armados de fuzis guardavam ontem a entrada do hospital, que na véspera foi alvo de tiros. Outra ambulância foi sequestrada e usada pelos homens de Kadafi, para percorrer as ruas atirando a esmo, contou o médico.
Os homens leais ao regime não conseguiram tomar Benghazi, mas alcançaram seu objetivo de causar o caos. Na madrugada de sábado, o desempregado Yasser Salim, de 22 anos, recebeu um telefonema dos shebab (jovens), como são chamados os combatentes rebeldes, para que fosse buscar uma caminhonete e levar para outro ponto da cidade. Quando dirigia a caminhonete, outros shebab pensaram que o veículo fosse dos homens de Kadafi, e abriram fogo contra ele. Salim levou um tiro de fuzil no lado esquerdo do rosto.
“O bombardeio de ontem foi indiscriminado”, testemunhou Bin Amr. “Tenho certeza de que, se Kadafi puser as mãos em Benghazi, vai pôr fogo nela como Nero pôs fogo em Roma.”
Publicado no Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.