Líderes de insurgentes que expulsaram forças de Kadafi do leste da Líbia formam Conselho Nacional Provisório, poder administrativo civil
BENGHAZI – Os líderes do levante popular contra o regime do presidente Muamar Kadafi, há 41 anos no poder, anunciaram ontem a formação de um Conselho Naciona Provisóriol, para administrar as cidades que estão sob seu controle. Ele será composto por integrantes dos conselhos municipais das cidades “liberadas”, ou seja, nas mãos dos opositores de Kadafi, que contam com a adesão de grande parte das Forças Armadas líbias. O nome e o número dos integrantes do Conselho não foram definidos.
Em entrevista coletiva, o novo porta-voz do grupo, o advogado de direitos humanos Abdul Hafeed Ghouga, disse que o Conselho não tem um “líder”, que não se trata de um governo transitório e que não há previsão de quando serão realizadas eleições. “Não se pode falar nisso quando a capital do país ainda está nas mãos do regime”, explicou Thouga, numa das salas de audiência da Corte de Justiça de Benghazi, a segunda maior cidade da Líbia e a mais importante sob o controle dos opositores.
Respondendo a perguntas de jornalistas de veículos predominantemente estrangeiros – já que toda a imprensa líbia é estatal -, o advogado rejeitou a possibilidade de aceitar ajuda externa para derrubar Kadafi, o mais longevo ditador no mundo árabe. “Somos totalmente contrários a qualquer intervenção internacional”, afirmou Thouga, falando em árabe, com tradução para o inglês. “O resto da Líbia será liberado pelos participantes da Revolução de 17 de fevereiro, e os remanescentes das Forças Armadas leais ao regime serão derrotados pelo povo líbio.”
Os protestos começaram no dia 15, por causa da prisão de outro advogado de direitos humanos, Fathi Terbel, que trabalha para as famílias de uma parte dos 1.270 presos políticos executados em 1996. Mas a data da “revolução” foi escolhida em função de outra manifestação, em 17 de fevereiro de 2006, duramente reprimida e distorcida pelo regime como sendo em protesto contra caricaturas do Profeta Maomé publicadas por um jornal dinamarquês.
Ghouga esclareceu também que o novo Conselho é composto exclusivamente de civis e não tem relação direta com a fatia do Exército que apoia o movimento contra Kadafi – que, aos 68 anos, tinha planos de tornar seu segundo filho, Saif, seu sucessor. O advogado disse que a função do Conselho será cuidar do dia-a-dia das cidades que não estão mais sob o governo de Kadafi, de maneira a desmentir a previsão do ditador de que elas mergulhariam no “caos” por causa da ruptura com Trípoli. Exprimindo sua opinião pessoal, e não do Conselho, que ainda não se reuniu, o advogado descartou a possibilidade de negociar com Kadafi: “Não há o que negociar com um governante que viola os direitos humanos e provoca um derramamento de sangue.”
Ele reconheceu a importância do apoio de parte dos militares líbios, mas realçou que as Forças Armadas têm um papel diferente dos civis. “Temos colaborado com as Forças Armadas e temos esperança de que o regime caia nos próximos dias, quem sabe nas próximas horas”, frisou ele.
Depois de quatro dias e quatro noites de enfrentamento entre milhares de jovens civis – armados com granadas de pólvora caseiras e coquetéis molotov – e as forças especiais de Kadafi, a adesão do Exército ao movimento, no fim de semana passado, foi decisivo para que Benghazi passasse para as mãos da oposição.
A cidade de 1 milhão de habitantes (Trípoli tem 2 milhões e o país todo, 6 milhões, incluindo 2 milhões de estrangeiros) continuava em festa ontem. Milhares de manifestantes se reuniram o dia todo na Praça dos Mártires, em frente à Corte de Justiça, para exigir a saída de Kadafi. Na avenida costeira que passa pela praça, filas de carros passavam buzinando, muitos trazendo a bandeira vermelha, preta e verde, com um crescente e uma estrela brancos na faixa preta – o símbolo do país antes de Kadafi assumir, num golpe militar, em 1969.
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