Combatentes lutaram 5 horas com os soldados leais ao ditador, cujo paradeiro é desconhecido
JADU, Líbia – O complexo de Bab al-Azizia, quartel-general de Muamar Kadafi e símbolo máximo de sua ditadura de 42 anos, foi parcialmente tomado ontem pelos rebeldes em Trípoli. Não se sabe o paradeiro de Kadafi. Seu governo não se rendeu e parte do complexo continuava ontem à noite sob controle das forças de elite leais ao ditador. A maior parte de Trípoli está sob o domínio dos rebeldes, mas há focos de resistência em favor do regime.
Mas a cena aguardada durante seis meses de guerra civil pelos oposicionistas aconteceu finalmente ontem. Centenas de rebeldes armados de fuzis e foguetes portáteis entraram pelo principal portão do complexo, depois de enfrentar a resistência dos soldados das brigadas de elite e também de mercenários africanos, segundo relatos colhidos pelo Estado.
Os combatentes lutaram durante cinco horas ontem à tarde com os soldados leais a Kadafi, até romper a resistência e invadir o portão. Vários deles morreram e um grande número saiu ferido. Ao entrar, os rebeldes fuzilaram e espancaram alguns dos homens que guardavam o portão. Uma grande quantidade de armamento, incluindo peças de artilharia montadas sobre caminhonetes e fuzis, alguns ainda na caixa, foram confiscados pelos rebeldes.
A tomada de Bab al-Azizia coroou três dias de impressionante avanço dos rebeldes, que entraram em Trípoli no domingo, depois de assumir o controle total de Zawiya, 50 km a oeste da capital, e Garyan, 80 km ao sul. Com essas conquistas, no fim da semana passada, formou-se um anel em torno de Trípoli, cortando as linhas de suprimento do regime. Os rebeldes já controlavam o flanco leste, e ao norte a costa mediterrânea é vigiada pelos aviões da Organização do Tratado do Atlântico Norte, que os apoia.
O dia começou com um revés para os rebeldes. Seif al-Islam, filho de Kadafi e que era preparado para ser seu sucessor, reapareceu de madrugada em frente ao Hotel Rixos, em Trípoli, onde os jornalistas estrangeiros credenciados pelo regime estão hospedados. Em tom desafiante, Seif garantiu que as forças do regime haviam “quebrado a espinha dorsal” dos rebeldes. Exibindo a barba que deixou crescer depois que resolveu atrair a simpatia dos fundamentalistas islâmicos que participam do levante mas se mostram desconfortáveis com os oposicionistas mais liberais, Seif garantiu que seu pai continuava em Trípoli.
O Estado cruzou ontem os 200 km que separam Dhibat, na fronteira com a Tunísia, e Jadu, situada a 170 km de Trípoli. A região é dominada pelas Montanhas de Nafusa, que estão sob controle dos rebeldes. Mais ao norte, a área costeira a oeste de Trípoli é disputada entre os rebeldes e as forças de Kadafi. Em Jadu está o hospital geral mais próximo de Trípoli que atende os rebeldes. O Hospital Universitário de Zawiya, a 120 km de Jadu, havia sido transformado em quartel-general das forças de Kadafi, que destruíram seu centro cirúrgico antes de partirem, no fim da semana.
O Centro Médico de Trípoli (CMT) e o Centro de Traumatologia de Abu Salim, os dois principais hospitais da capital, só recebiam feridos que apoiam as forças do ditador. Feridos suspeitos de serem combatentes eram mortos ou presos, contou ao Estado o clínico geral Essam al-Hares, que trabalha no CMT e deixou Trípoli em fevereiro, quando começou o levante. “Eu apoiei a Revolução e passei a ser procurado pelo regime”, disse o médico. Al-Hares veio trabalhar em Jadu, sua cidade natal, que caiu nas mãos dos rebeldes logo no início do levante. Jadu, reduto da etnia berbere maziq, sempre foi um reduto oposicionista, perseguido por Kadafi.
Segundo Al-Hares, cerca de 70 feridos foram trazidos para o hospital de Jadu desde o domingo, além de 6 mortos, que eram moradores da cidade. Muitos mortos ainda estão nas ruas de Trípoli ou foram levados para suas cidades de origem.
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