Opositores afirmam que regime usou armamento pesado e escudos humanos para reconquistar Bin Jawad
RAS LANUF, Líbia – Depois da intensa batalha do domingo, os combatentes rebeldes foram expulsos de Bin Jawad, e ocupavam ontem posições numa faixa a partir de 2 km de distância a leste da cidade. Aviões MiG, de fabricação russa, sobrevoavam o complexo petroquímico de Ras Lanuf, 45 km a leste, firmemente controlado pelos rebeldes, ocasionalmente disparando mísseis. Dois deles atingiram um carro e feriram o casal, três crianças e a avó que viajavam nele.
O carro acabava de passar por um posto de controle dos rebeldes na saída de Ras Lanuf, com cerca de 500 combatentes. Muitas famílias deixaram ontem Ras Lanuf, conjunto habitacional construído há 30 anos para os trabalhadores da petroquímica, hoje com cerca de 10 mil habitantes.
Os combatentes estavam ocupando algumas das casas. Eles atribuem a vitória das forças do governo em Bin Jawad não só ao fato de usarem armamento pesado, como baterias de foguetes antiaéreos montadas sobre caminhões, mas também de terem ocupado as casas e usado seus moradores como escudos humanos. Não querem que o mesmo aconteça em Ras Lanuf.
À noite, os motoristas eram instruídos pelos combatentes a trafegar com os faróis apagados, por causa dos ataques aéreos. Baterias antiaéreas dos rebeldes e balas tracejantes eram disparadas intermitentemente, sob o ruído dos aviões. Segundo uma fonte hospitalar em Beghazi, a principal cidade controlada pelos rebeldes, 380 km a leste, 30 pessoas foram mortas e 169 feridas nas batalhas dos últimos três dias.
Mas o número pode ser bem maior. Os soldados leais ao ditador Muamar Kadafi retiraram do campo de batalha não só os seus mortos e feridos, mas também parte dos rebeldes no combate de domingo, disse ao Estado Salim Nabuz, que participou da luta por Bin Jawad.
O combatente afirmou que os membros das forças especiais, denominadas kataeb, dispararam foguetes contra uma mesquita onde cerca de 20 rebeldes se tinham refugiado, destruindo o prédio e matando todos dentro. “Muitas pessoas estão desaparecidas”, acrescentou, e vários combatentes a seu redor confirmaram. Nabuz, 37 anos, dono de uma loja de pneus em Ajdabiya (200 km a leste), mostrou o furo feito por uma bala de fuzil em seu carro, que feriu na perna direita seu amigo, o estudante Hassan Sarimi, de 26 anos.
À pergunta sobre onde estava o Exército regular que afirma apoiar o levante, Nabuz e seus companheiros, todos voluntários civis, responderam: “Aqui não temos tanques nem Exército nenhum. Só temos Alá.” O pedreiro Abdul Monem, de 31 anos, que opera uma peça de artilharia, expressou sua impaciência com o Exército e com a liderança civil rebeldes: “Eles só falam. Até hoje não conseguiram (com a comunidade internacional) a zona de exclusão aérea, para evitar esses ataques de Kadafi. Se não fizerem nada, vamos fazer uma nova revolução.”
Segundo as agências de notícias, o governo parecia ter consolidado ontem o controle sobre boa parte de Zawiya, 50 km a oeste de Trípoli. Mas os confrontos continuam. Um morador disse que as forças leais a Kadafi atacaram os rebeldes durante toda a manhã com tanques e peças de artilharia. Já os rebeldes controlam a maior parte de Misrata, a terceira cidade do país, 200 km a leste da capital. Mas moradores disseram que faltam medicamentos para atender os feridos.
Jadallah Azous al-Talhi, primeiro-ministro líbio nos anos 80, e originário do leste do país, fez ontem um apelo pela televisão aos anciãos de Benghazi, para que “dêem uma chance a um diálogo nacional e parem o derramamento de sangue”. Um assessor do ex-ministro da Justiça e líder rebelde Mustafa Abdel Jalil respondeu: “Qualquer negociação deve ter como ponto de partida a renúncia de Kadafi. Não pode haver nenhum outro acordo.”
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