Governo mantém imãs sob controle

Há um consenso entre o governo e a opinião pública de que o radicalismo islâmico é “antidemocrático, intolerante e perigoso”, confirma Brahim Labassi, o redator-chefe do mais importante jornal em língua francesa na Tunísia, La Presse.

 TÚNIS — “E isso foi simples de obter: basta olhar para os lados, ver os exemplos da Argélia, do Egito e do Irã.”

Para Taufik Trabelsi, dono de uma livraria na Kasbah, a Cidade Velha, a mensagem do governo é a seguinte: “Podem rezar à vontade, o muezim pode chamar o povo para as orações cinco vezes ao dia, mas com calma, sem querer impor as leis religiosas sobre o país.” Segundo o livreiro, de 42 anos, “muita gente na Tunísia gostaria de seguir o modelo de Khomeini”, o alatolá que liderou a revolução islâmica no Irã.

Trabelsi cita a mesquita de Riena, na periferia de Túnis, como um dos redutos integristas, com manifestações e confrontos com a polícia. O governo tenta evitar que as mesquitas se transformem nos centros de propagação do fundamentalismo, como ocorreu na Argélia, interferindo constantemente, afastando os imãs mais radicais.

“Por mim, tudo bem, não tenho medo do integrismo”, dá de ombros Trabelsi, solteiro, olheiras fundas na manhã de domingo, depois de uma noitada “com mulheres e bebida” até as 5 da manhã. “Se chegarem ao poder, faço o que ordenarem. Se mandarem fechar a livraria, fecho.” Mas ele prefere não acreditar. “Nós tunisianos somos muito diferentes dos argelinos”, explica. “Os argelinos são exaltados, nervosos. Nós somos tranqüilos, apreciamos a boa-vida.”

Para Saloua Bourbia, a vida não está boa. Essa moradora da Rua do Brasil, num setor de classe média da capital, olha na direção oposta, e quer mais liberdade, no sentido ocidental. “Os homens aqui têm muitos direitos que as mulheres não têm”, diz Saloua. “Eles podem ir aonde quiserem, sem avisar, e voltar na hora que desejarem.” Crimes passionais podem ser punidos com até cinco anos de prisão se cometidos pelo marido, e com pena de morte se pela mulher.

A noite tunisina é predominantemente masculina. Os homens raramente saem com amigas, namoradas ou mulheres. Ao contrário, podem ser vistos em grupos pequenos, às vezes de mãos dadas com os amigos e parentes masculinos e, especialmente no verão, com jasmins nas orelhas. Trocam beijos no encontro, jogam cartas nos bares ou simplesmente se sentam nos gramados para conversar.

Saloua está profundamente desiludida com seu país. “A juventude deste país vai muito mal”, desabafa. “Não come bem, não tem dinheiro para casar, não tem educação, idéias nem consciência.” Saloua passa então a relatar o drama pessoal. Sua neta, Kadija, de nove anos, é considerada débil mental pelos médicos tunisianos. Saloua assegura que ela ouve bem e aprende, tendo apenas um problema de fala.

“Hoje mesmo eu chorei no hospital, pedindo para eles a reavaliarem”, conta Saloua, o olhar cansado e aflito. Não adiantou. Kadija terá de continuar na escola para débeis mentais. A alternativa seria levá-la para tratamento na França, mas Saloua diz que não tem dinheiro para isso. “Aqui, ninguém ouve a gente.”

Em seu bar na agitada Avenida Hédi Chaker, Tahri Mabruk mantém um retrato do presidente Ben Ali. Não porque seja obrigado, mas porque gosta dele, assegura. Até 1987, no regime de partido único de Habib Burguiba, esse tipo de homenagem era obrigatório, lembra Mabruk.

 “Na ditadura era ruim, não tínhamos liberdade, mas agora temos.” Os radicais muçalmanos são “uma minoria de loucos financiados pelo Irã e pelo Sudão”, afirma o comerciante. “Ninguém dá importância”, diz Mabruk, muçulmano cumpridor dos preceitos. “São como os palestinos.”

Publicado no Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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