Whitaker ressalta que grupos de guerrilheiros e terroristas foram excluídos do Fórum Social
PORTO ALEGRE – Uma das coisas pelas quais o Fórum Social Mundial se notabilizou, em sua primeira edição, em 2001, foi a violência. O Movimento dos Sem-Terra (MST), acompanhado do líder agricultor francês José Bové, destruiu parte de uma lavoura de soja transgênica da multinacional americana Monsanto no município de Não Me Toque e um grupo de punks e anarquistas atacou uma lanchonete do MacDonalds em Porto Alegre. Além da participação das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
Já na segunda edição, no ano passado, os dirigentes petistas mantiveram distância de Bové, e atos de vandalismo não se repetiram. Este ano, Luiz Inácio Lula da Silva se negou a receber Bové, que queria que o companheiro, agora presidente, intercedesse junto ao presidente francês, Jacques Chirac, para conceder indulto ao agricultor. Bové foi condenado pela invasão de um silo com produtos transgênicos na França e Lula visita Chirac esta semana.
Um dos organizadores do Fórum, Francisco Whitaker, justifica as atitudes de Bové como sendo de caráter “simbólico”, mas diz que a luta deve ser pacífica e que os grupos guerrilheiros e terroristas estão excluídos do evento. O vocabulário é que ainda não mudou. Whitaker, da Comissão de Justiça e Paz, participou de um painel intitulado “Insurgência cidadã contra a ordem estabelecida”.
Estado – Como vocês vêem hoje o tema da insurgência?
Francisco Whitaker – Estou neste painel para mostrar que há diferentes formas de se insurgir. Há insurgências que levam à substituição do opressor por outro pior, ou que levam ao vazio total, porque não propõem nada como alternativa. Há insurgências juvenis e há insurgências mais maduras. Grande parte da população mundial não chegou ao nível de insurgência ainda – está no nível do descontentamento, da indignação -, mas o fórum já é uma forma de se insurgir contra a ordem estabelecida. Que não são somente os poderes que dominam, as instituições, FMIs, Bancos Mundiais etc., mas, também, contra culturas e modelos. O fórum é uma insurgência contra o modelo piramidal de organização da sociedade. Ele se exprime de forma horizontal, de encontro, de intercâmbio entre pessoas, de busca conjunta, respeitando a diversidade.
Estado – A palavra insurgência normalmente tem uma conotação de violência, de ruptura.
Whitaker – Exatamente. Ela é o nível máximo da indignação. Você vai passando desde a insatisfação e, num certo momento, diz: não dá mais para agüentar. O que você vai fazer, então? Uns dizem: vamos destruir tudo. É uma forma de insurgência. Nós não estamos dizendo: vamos destruir tudo. Vamos substituir por outro modelo. Pode-se fazer isso de forma violenta ou pacífica. Achamos que não tem saída: temos que fazer de forma pacífica. A própria Carta de Princípios do Fórum estabelece que não têm guarida organizações armadas. Porque achamos que a violência leva a mais violência, nos aprisiona na lógica inclusive do mercado, por mais incrível que pareça.
Estado – Por quê?
Whitaker – Porque obviamente o melhor produto de consumo é a munição, feita para ser destruída imediatamente. Não é nem como uma geladeira, que pode durar dez anos. Para o sistema econômico baseado na indústria de armamentos, nada melhor do que guerras. Isso é uma loucura, uma ilogicidade total.