A difícil arte de namorar no Irã

A Montanha de Tochal, perto de Teerã, é um dos poucos lugares onde os jovens podem se abraçar, apesar da polícia

TEERÃ – O caminho dos jovens iranianos rumo à liberdade é tortuoso. A trilha da Montanha de Tochal, no norte de Teerã, visitada por centenas de pessoas nas sextas-feiras, dia do descanso semanal, serpenteia em direção ao cume nevado. Às 7 da manha chegam os primeiros. Nem todos passam. Soldados do Exército, policiais e basidjis (guardiães da moral) vão selecionando aqueles que parecem estar de acordo com as prescrições islâmicas.

Uma blusa feminina que nao chega ao joelho, sobre a calça (pernas de fora, nem pensar), um penteado masculino muito ousado podem ser as senhas para barrarem os jovens no portão de entrada. “Na verdade, não faço idéia do critério deles”, diz uma freqüentadora de 26 anos. “Acho que às vezes eles simplesmente não vão com a cara da pessoa.”

Na manhã de ontem, em poucos minutos de observação na entrada, duas moças não puderam entrar porque suas batas não eram suficientemente longas e sete rapazes também tiveram de voltar, por nenhuma razão aparente. Suas mochilas nem chegaram a ser abertas. Quando são, uma garrafa de bebida alcoólica, proibida porém contrabandeada nas cidades, é detenção na certa.

Passado o teste, os jovens adentram o equivalente ao éden – para padrões iranianos.

“Aqui, podemos nos abraçar”, diz uma professora de inglês de 31 anos, ao lado do marido, de 35, importador de peças para tratores. Casados, com uma filha de cinco, estão proibidos, como todos os casais, de manifestar carinho em público. Em Tochal, apesar da presença ostensiva da polícia (há até uma unidade que se locomove em esquis, para vigiar os outros esquiadores) e dos basidjis, as trilhas sinuosas permitem alguma privacidade.

E beijar, pode? O casal ri da pergunta inocente. Numa tarde recente, um casal de amigos foi detido por estar se abraçando e beijando, dentro de seu carro, num estacionamento, em Teerã. Embora também sejam casados, foram levados à delegacia e obrigados a firmar um termo de compromisso de que isso nao se repetirá.

Muitos casais têm histórias como essa, incluindo nossos interlocutores. Quando eram noivos, há 15 anos, voltavam de carro de uma noite de Natal na casa de amigos cristãos, quando foram parados numa blitz de basidjis. Não traziam sua certidao de noivado. Decidiram detê-los. O hoje marido reagiu, e foi levado para a delegacia à força. “Eu não parava de chorar”, lembra a mulher. Ficaram horas na delegacia e tambem só saíram depois de assinar o tal termo de compromisso. Em caso de reincidencia, estão sujeitos a multa.

Se bem que também é possível resolver essas situações subornando os policiais, contam os moradores de Teerã. Até para se fazer uma festa em casa (nao há danceterias, e músicas e danças ocidentais são proibidas, assim como casais sem documentos ao menos de noivado), é possível evitar que a polícia venha incomodar pagando propina a um delegado.

Nos teleféricos e nas trilhas de Tochal, corria ontem a informação de que a polícia ou os basidjis recrudesceriam nos controles nas ruas. “Ouvimos falar que começaria amanhã (hoje), não sabemos se é verdade”, disse um casal. “Eu sou religiosa, rezo e faço o jejum (no mês do Ramadã), mas nao acho que cobrir todo o corpo seja um mandamento de Deus”, diz uma mulher casada.

Nos últimos quatro anos, houve um afrouxamento do controle, sob o governo do ex-presidente Mohamad Khatami, que introduziu tímidas porém sentidas reformas liberais. Com a eleição, no ano passado, do presidente Mahmoud Ahmadinejad, apoiado pelos basidjis e pelo clero conservador, a classe média temeu um retrocesso.

O receio, confirmado pelas notícias que circulam em Teerã, é o de que, com a hipótese de os Estados Unidos estarem planejando uma mudança de regime no Irã, as autoridades considerem que seja hora de aumentar a repressão interna dos descontentes.

“É só você ir para a delegacia que logo se lembrará de como usar o chador”, dizia ontem um jovem a uma amiga que afirmava não saber mais usar o véu e vestido, comumente preto, que cobre da cabeça aos pés.

Enquanto a repressao não vem, ou mesmo se ela vier, Tochal continua sendo o lugar onde, numa curva ou desnível de terreno, os moradores de Teerã podem experimentar pequenas liberdades com sabor de transgressão.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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