Presidente iraniano diz que ninguém pode deter o programa nuclear do país usando guerra psicológica
TEERÃ – O presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, elevou ontem o tom da retórica. “Nossa resposta àqueles que estão com raiva pelo fato de o Irã dominar o ciclo completo do combustível nuclear é apenas uma frase: ‘Fiquem com raiva de nós e morram dessa raiva'”, disse o presidente, enquanto o diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), o egípcio Mohamed el-Baradei, reunia-se com funcionários do governo em Teerã.
“Não conversaremos com ninguém sobre o direito da nação iraniana”, continuou Ahmadinejad, referindo-se ao enriquecimento de urânio, que ele anunciou ter iniciado na terça-feira. Falando a uma multidão num povoado da província de Khorassan, no leste do país, o presidente advertiu: “Os inimigos do Irã não imaginem que com guerra psicológica podem nos deter. Os outros países têm de saber que o Irã é um país nuclear. E tem objetivos pacíficos.”
A atitude decidida de Ahmadinejad contrastou com mais uma missão inconclusa de El-Baradei. “Ainda não está clara a natureza do programa nuclear iraniano”, declarou o diretor-geral da AIEA. Em entrevista ao lado de Ali Larijani, secretário do Conselho de Segurança Nacional e negociador-chefe do Irã, El-Baradei exortou o país a suspender o enriquecimento.
Ele argumentou que o reator nuclear de Bushehr, ao sul de Teerã, tem combustível garantido (pelos russos). “Não creio que a questão do enriquecimento, embora emocional, envolva urgência”, disse o diretor da AIEA. “Portanto, enfatizamos (a necessidade de) negociar um acordo, pelo qual Teerã atenda às preocupações da comunidade internacional.”
Em decisão tomada em 29 de março, o Conselho de Segurança da ONU deu ao Irã um mês para suspender a retomada de suas atividades nucleares. No dia 28, quando expira o prazo, o Conselho poderá adotar alguma medida de advertência mais severa ao país. Em princípio, parece improvável que Rússia e China, parceiros comerciais do Irã com poder de veto no Conselho, deixe passar a imposição de sanções.
Entretanto, ambos os países têm dado sinais de impaciência com a atitude iraniana de incentivar a escalada da crise. O governo chinês anunciou ontem o envio de Cui Tiankai, vice-ministro do Exterior, para o Irã e a Rússia.
Mas El-Baradei tem razão: a questão é altamente emocional. O governo de Teerã tem martelado diuturnamente que o desenvolvimento do programa nuclear para fins pacíficos é um “direito inviolável” do país, e muitos iranianos acatam essa posição (ver abaixo). Tecnicamente, o Irã tem de fato o direito a esse programa, como signatário do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, que o submete a um regime de inspeções.
Depois da descoberta, em 2003, de um programa nuclear secreto conduzido pelo Irã havia 18 anos, o país adotou uma moratória das atividades e passou a permitir inspeções sem comunicação prévia, como se fosse signatário de um Protocolo Adicional, para readquirir confiança da AIEA. Essas concessões viriam acompanhadas de assistência da comunidade internacional para o desenvolvimento da tecnologia para fins civis, desde que o Irã atendesse a todas as exigências de informações da agência.
As duas coisas não ocorreram, no entanto. E o Irã retomou suas atividades de “pesquisa e desenvolvimento” no dia 9 de janeiro, retirando os selos da AIEA em suas centrífugas. Em relatório apresentado no fim de fevereiro ao Conselho de Governadores da AIEA, El-Baradei deu a entender que o Irã não tinha oferecido explicações convincentes sobre a compra de materiais e equipamentos de uso duplo (civil e militar) nem tinha fornecido evidências que afastassem definitivamente a possibilidade de haver uma linha paralela de centrífugas da geração P2, mais eficientes das que ele dispõe declaradamente, as P1. El-Baradei também não se mostrou totalmente convencido de que o chamado Projeto Green Salt, um conjunto de planos encontrado num laptop, constitua “alegação sem base”, como afirmam os iranianos.
Concretamente, o que o presidente anunciou na terça-feira foi o enriquecimento de urânio a 3,5% – suficiente para o uso como combustível e muito distante do patamar de 90% exigido para a fabricação de ogivas – por 164 centrífugas, que colocam o programa num estágio experimental.
Entretanto, o vice-diretor da Agência Atômica Iraniana, Mohamad Saidi, acrescentou na quarta-feira que até o fim do ano as instalações de Natanz já deverão operar com 3 mil centrífugas, número esse que será ampliado para 54 mil, num prazo não determinado. Nesse ponto, o programa nuclear iraniano atingiria escala industrial. E poderia levar à fabricação de bombas, no intervalo de mais alguns anos. Ahmadinejad garante que não é essa sua intenção. O presidente dos EUA, George W. Bush, já deixou claro que não pretende pagar para ver.
Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.