Ahmadinejad recua sobre Holocausto

Declarações polêmicas podem ter aumentado resistência da comunidade internacional ao programa nuclear do Irã

TEERÃ – O presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, recuou ontem de sua versão de que o Holocausto não aconteceu. Numa longa preleção antes de uma entrevista coletiva de duas horas à imprensa internacional, Ahmadinejad, sem ser perguntado sobre o assunto, disse que “supõe” que a matança ocorreu, mas que os palestinos não deveriam ter de pagar por ela. O presidente também se mostrou determinado a seguir enriquecendo urânio, apesar da reação da comunidade internacional, e criticou duramente a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

Analistas em Teerã acreditam que declarações polêmicas do presidente, como a proposta de “varrer o Estado sionista do mapa”, feita em outubro, e a dúvida que lançou, em dezembro, sobre se o Holocausto de fato aconteceu, aumentaram a resistência da comunidade internacional contra o programa nuclear iraniano.

“Na 2.ª Guerra Mundial, morreram no mínimo 60 milhões de pessoas e muitos mais ficaram feridos e sem casa”, lembrou Ahmadinejad. “Suponhamos que algo tenha acontecido”, sugeriu o presidente, referindo-se ao Holocausto. “Por que, sob esse pretexto, o povo do Oriente Médio tem que pagar por 60 anos? Montou-se um Estado no Oriente Médio que até hoje, a cada dia, mata a gente inocente e pobre”, disse ele, referindo-se a Israel e ao povo palestino.

Falando dos aliados, o presidente continuou: “Os que diziam serem os salvadores da humanidade, os que contiveram a matança na 2.ª Guerra Mundial, levantaram-se em vingança contra os assassinatos e durante 60 anos mataram milhares de pessoas inocentes. Por quê? Que papel teve o povo palestino na 2.ª Guerra Mundial?”

“Sentimos por todos os mortos”, disse Ahmadinejad. “Mas por que se recita a canção do luto só para alguns deles?” Engenheiro de formação e ultra-religioso, o presidente de 49 anos não será lembrado por sua qualidade retórica. Às vezes começa e não termina uma frase.

“Suponho que tenha sido verdade”, reformulou o presidente, referindo-se de novo ao Holocausto. “Quem tem que pagar por isso? Somos contra fazer sofrer qualquer ser humano. De um lado, querem dar alívio aos judeus. Dois ou três países lançaram um movimento antijudaico na 2.ª Guerra Mundial. Se vocês são partidários dos judeus, por que houve esse movimento antijudaico?”, perguntou, dirigindo-se aos países ocidentais. Mais adiante, ele nomearia a Alemanha e a Áustria.

“Por que vocês converteram toda a Europa num lugar inseguro para os judeus e eles tiveram de se refugiar na Palestina, num território que não é deles?”, indagou o presidente. “Uma vez eu disse e repito: ‘Abram as portas dessa grande prisão. Deixem que essa gente decida livremente e verão que alguns voltarão a sua pátria. Acreditamos que os judeus, como todos os outros humanos, têm direito de viver uma vida segura e tranqüila. Deixem que voltem a sua pátria.”’

Os jornalistas perguntaram a Ahmadinejad se aceitaria enriquecer urânio na Rússia, como parte de um acordo para desistir do enriquecimento no Irã. “Os russos têm enriquecimento e nós também temos”, respondeu. “Podemos cooperar uns com os outros. Não há problema”, disse ele. “Essa proposta de enriquecer urânio na Rússia foi há seis meses. A situação mudou.”

“É risível o que está acontecendo no mundo”, criticou o presidente. “As potências vivem testando bombas nucleares e dizem que nós estamos desenvolvendo armas atômicas. Não acreditam no Tratado de Não-Proliferação Nuclear nem em suas salvaguardas.” De acordo com Ahmadinejad, a AIEA só tem servido para “traduzir” os interesses dessas potências. “Em 30 anos de nossa participação na agência, o que ela fez por nós?”, perguntou. “Tem nos tratado de maneira muito dura. Queremos que inspecionem nossas instalações, mas não vamos aceitar dois pesos e duas medidas.”

Uma jornalista da TV americana CBS quis saber se havia algo que a comunidade internacional podia fazer para o Irã abrir mão de seu direito de enriquecer urânio. “Há algo que a comunidade internacional pode fazer para o seu país abrir mão de sua soberania?”, devolveu ele. O presidente voltou a garantir que eventuais sanções não o farão recuar. E que o programa nuclear iraniano está destinado apenas a gerar energia: “Armas químicas, biológicas, nucleares e não-nucleares de destruição maciça são contra os ensinamentos do Profeta.”

Os jornalistas perguntaram também sobre o recrudescimento da polícia na imposição do código islâmico de vestimenta. “Foram as mulheres iranianas que adotaram o hedjab”, respondeu Ahmadinejad, referindo-se ao mandamento de tampar o cabelo e usar roupas compridas que não deixem nenhuma parte do corpo à vista. “As mulheres iranianas sabem portar-se muito bem.” Várias moças foram detidas ontem em Teerã por não estarem vestidas de acordo com as regras.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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