Negociador diz que, se país for atacado, deixará a AIEA e ficará mais fácil prosseguir com as atividades nucleares
TEERÃ – O Irã deixará a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) se lhe forem impostas sanções, e prosseguirá com seu programa nuclear de forma clandestina se o país for alvo de um ataque militar. Foi o que afirmou ontem o secretário do Conselho Supremo de Segurança Nacional, Ali Larijani, que conduz as negociações sobre o tema.
“Se eles pensam que, com sanções, podem parar nossas atividades nucleares, eles que experimentem”, desafiou Larijani, numa rápida entrevista coletiva, durante a abertura de uma conferência internacional sobre o programa nuclear iraniano, realizada ontem em Teerã. “Nós cessaremos nossas relações com a AIEA. Esse será o único resultado. Vamos ver se isso lhes interessa.”
O secretário prosseguiu dizendo: “Seguiremos outro curso. Ficará mais fácil seguir nossas atividades nucleares. Será mais rápido.” Mais adiante, completou: “Lembre-se: depois que você dá um passo, o segundo será na mesma direção.”
“Se vocês recorrerem à ação militar, saibam que, neste vasto país, se quiserem construir algo, o farão”, advertiu Larijani, no estilo das autoridades iranianas, que se dirigem aos jornalistas estrangeiros como se estivessem falando com os governos das potências ocidentais. “Então definitivamente não haverá transparência alguma.”
O diretor-geral da AIEA, Mohamad El-Baradei, deve apresentar na sexta-feira em Viena um relatório sobre sua última visita ao Irã. No mesmo dia, expira o prazo dado pelo Conselho de Segurança da ONU para o país suspender suas atividades nucleares.
Larijani mostrou dois documentos que, segundo ele, eram os acordos nucleares firmados em meados dos anos 70 entre o Irã do xá Reza Pahlevi e os Estados Unidos e a França. O acordo com os EUA, firmado na gestão do então secretário de Estado Henry Kissinger, previa a construção de instalações nucleares com capacidade para gerar 20 mil megawatts. O outro, com a França, continha outros 6 mil megawatts.
Larijani disse que os acordos incluíam não só o fornecimento do combustível mas também a capacitação de pessoal para operar as instalações. Com a Revolução Islâmica, em 1979, os contratos foram engavetados. “Nem sequer devolveram o dinheiro que já tínhamos pagado”, queixou-se Larijani. “Hoje, argumentam que não precisamos de energia nuclear porque temos muito petróleo e gás. Na época, tínhamos mais ainda.”
Larijani fez um histórico de descumprimentos de contratos por parte de americanos, franceses, russos e chineses. “Eles dizem que podem nos fornecer combustível nuclear”, comentou o secretário. “Se olhamos para a história, achamos que temos o direito de duvidar. Não podemos depender disso.”
Larijani garantiu que o Irã não violou nenhuma norma do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP). Ele citou, por exemplo, o caso do enriquecimento de urânio na usina de Natanz, ao norte de Teerã. “Avisamos a AIEA 180 dias antes da injeção do gás (nas centrífugas), conforme as normas”, disse o secretário. De acordo com uma fonte do setor, no entanto, “ninguém avisa com 180 dias de antecedência, mas muito antes, quando vai começar uma nova operação”.
O ex-presidente Ali Akbar Hashemi Rafsanjani foi mais cauteloso. “Podemos não ter comunicado na hora certa alguns avanços”, admitiu Rafsanjani, hoje diretor do poderoso Conselho da Determinação, órgão de supervisão de assuntos estratégicos. “Mas enganar não era nosso objetivo.” O Irã conduziu por 18 anos um programa nuclear secreto, até ser flagrado pelos inspetores da AIEA. Desde então, passou por um período de moratória, enquanto tentava provar a natureza pacífica do programa. Este ano, exasperado com a demora de se chegar a um acordo, e acusando os europeus de fazerem exigências cada vez maiores, retomaram as atividades e anunciaram ter conseguido enriquecer urânio, em escala experimental, com pretensões para elevá-la a industrial ainda este ano.
“Querem nos forçar a fazer as coisas às escondidas”, disse Rafsanjani. “Não queremos. Queremos fazer tudo de forma aberta.” Ele garantiu que o Irã é contra o uso de armas de destruição maciça e só quer gerar energia nuclear. Mas avisou que o país não voltará atrás: “Nosso programa nuclear é uma bala disparada por uma arma. Não tem volta.”
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