Reitora destituída por Ahmadinejad é estrela da campanha no Irã
TEERÃ – O Estádio Heidal Nia foi dividido ao meio. De um lado, homens; de outro, mulheres, que no Irã não podem frequentar o mesmo ambiente em lugares públicos. Cerca de 10 mil pessoas encheram o campo de futebol, as arquibancadas e até um viaduto ao lado do estádio. O lado mais entusiasmado era o das mulheres, um mar de roupas pretas com véus, fitas e outros adereços verdes – a cor da campanha de Mir Hossein Moussavi, o ex-primeiro-ministro moderado, que desafia o presidente conservador Mahmud Ahmadinejad na eleição presidencial de sexta-feira.
A estrela do comício – do qual Moussavi não participou – foi a sua mulher, Zaghra Rahnavard, professora de ciência política. A participação da mulher na campanha, inédita no Irã, parece simbolizar a promessa de campanha de Moussavi, de garantir direitos iguais para ambos os sexos. “Moussavi Rahnavard, tassavi zan va nard (igualdade mulher e homem)”, entoavam as mulheres – e também muitos homens, do outro lado do cordão humano que os dividia.
“Olá, vocês que buscam respeito internacional”, saudou Zaghra. “Vocês que querem boas relações com todo o mundo, equilíbrio na política, não amizades impensadas”, continuou a cientista política, aparentemente referindo-se às alianças de Ahmadinejad com figuras como o presidente Hugo Chávez, da Venezuela. “Olá, vocês que buscam pessoas inteligentes, não magos e bruxas, e que não aceitam que a segunda pessoa mais importante do país minta na TV.” A primeira é o líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei, que, embora conservador, aparece nos cartazes da campanha de Moussavi, num esforço de legitimação da candidatura do moderado perante a parcela de conservadores descontente com Ahmadinejad, por sua retórica incendiária e seu estilo populista.
“Somos contra a pobreza, a fome e a desigualdade”, sublinhou Zaghra. “Queremos reativar a economia.” Eleito em 2005 com a promessa de “colocar na mesa a riqueza do petróleo”, Ahmadinejad distribuiu nas últimas semanas dinheiro para 5,5 milhões de pobres, além de oferecer financiamento para moradias e aumentos de salários e aposentadorias para os servidores públicos.
Zaghra aproveitou para lembrar a acusação que Ahmadinejad fez contra ela no debate com Moussavi na semana passada. O presidente, cujo governo a destituiu do cargo de reitora da Universidade Al-Zahar (só de mulheres), afirmou que ela havia usado certificados falsos. “Ele insultou todas as mulheres”, disse a professora. “Durughgu” (mentiroso), repetia a multidão.
Oradores que vieram antes de Zaghra acusaram Ahmadinejad de usar a máquina do governo em sua campanha e disseram que o Ministério do Interior não autorizou Moussavi a fazer comícios em lugares maiores, como o Estádio Azadi, com capacidade para 100 mil pessoas, e a Grã-Mesquita Mussala, cenário de comício do presidente na segunda-feira. “Se houver fraude, teremos outra revolução no Irã”, gritou a multidão.
“Apoio Moussavi porque sou a favor da liberdade de imprensa, não quero caminhar nas ruas com medo dos basidjis (a polícia que vigia o cumprimento do código de costumes)”, disse a contadora Setare Khodayari, de 25 anos. “Além disso, meus pais dizem que a melhor época no Irã foi durante o governo de Moussavi (1981-89).”
“Estou aqui porque não quero mais ouvir mentiras de que o povo não passa fome, de que toda a imprensa é livre e de que o Holocausto não existiu”, explicou o escritor Mani Parsa, de 34 anos, conhecido no país por seus romances. “Moussavi quer reduzir o poder de Khamenei, para que tenhamos liberdade para fazer o que quisermos”, disse o professor de inglês Berzad, de 44 anos. “O mais importante é que Moussavi é contra um homem ter mais de uma esposa”, completou sua namorada, Susanne, uma funcionária pública de 37 anos. “Quer ter outra mulher, vai ter que se divorciar.” Ahmadinejad defende a prática islâmica de o homem poder casar-se até quatro vezes.
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