30 anos depois, curdos voltam a Bagdá

Dois partidos instalam suas sedes na capital, ironicamente em prédios do Baath de Saddam

BAGDÁ – Eles não apareciam por aqui desde os anos 70. E até hoje, mesmo depois da queda de Saddam Hussein, sua chegada provoca calafrios em muitos iraquianos. Dirigentes da União Patriótica do Curdistão (PUK) e do Partido Democrático do Curdistão (KDP) acabam de abrir duas sedes em Bagdá. Ambos em edifícios antes pertencentes ao todo poderoso Partido Baath, de Saddam.

Os baathistas ainda não foram desarmados. Ninguém sabe o que eles estão tramando, nem como reagirão à simbólica ocupação de seus prédios pelos curdos. “Os baathistas estão foragidos, foram destruídos”, disse Abd Ali Hamed Hussein, um dos líderes do KDP, que veio com 350 militares.

“Só temos uma arma aqui. Mas não temos medo de enfrentá-los”, garantiu Hussein, sobrevivente do massacre de Halabja, onde Saddam ordenou um ataque com armas químicas, em 1988, matando milhares de pessoas para castigar os curdos por sua aliança com o Irã na guerra contra o Iraque, que durou de 1980 a 1988.

“Estamos aqui para participar da formação do novo governo democrático e pluralista iraquiano”, explica Ali Faek Taher, líder do PUK, que veio da cidade de Sulaymaniyah, no norte do Iraque. “Não queremos mais ouvir falar de curdos ou xiitas. Queremos deixar para trás os conflitos étnicos e religiosos, queremos eleições livres e democráticas e não mais referendos de 100%”, acrescentou ele, numa referência aos processos eleitorais fraudulentos que marcaram os anos de Saddam no poder.

Depois da primeira Guerra do Golfo, sob proteção de americanos e britânicos, os curdos desfrutaram, nos últimos 12 anos, de uma autonomia sem precedentes em sua história moderna. Havia o temor de que, com o fim do regime de Saddam, eles quisessem formar um país independente no norte do Iraque. A iniciativa – desencorajada pelos americanos – desestabilizaria toda a região, já que há populações curdas também na Turquia, Irã e Síria. Tanto o PUK quanto o KDP garantem que não desejam um Curdistão independente.

Resta saber também se estão curadas as feridas entre os dois grupos, que são inimigos históricos. Jalal Talabani, do PUK, e Massud Barzani, do KDP, alternaram-se em alianças com o regime fundamentalista iraniano e com Saddam Hussein, na tentativa de derrotar um ao outro. “Os dois partidos têm boas relações agora”, assegurou Hussein. “Não pensamos mais em divisão”, disse Taher. “Superamos todas as desavenças passadas em busca de um futuro para o Iraque.”

O KDP parece o mais entusiasta com a presença americana, que tem exasperado muitos iraquianos em Bagdá. “A América é o símbolo da democracia e vai nos apoiar no futuro”, disse o advogado Mohamed Kassin al-Jaf, também dirigente do KDP. “Esperamos que, no futuro, haja mais americanos aqui.”

Mas nem todos estão tranqüilo. “Vivo em Bagdá há 24 anos e, durante todo esse tempo, tenho sido perseguido pelo Partido Baath por ser curdo”, disse um homem, na sede do PUK, que pediu para não ser identificado. “Porque os americanos ainda não desarmaram os baathistas? O serviço secreto de Saddam continua em atividade. Isso representa um risco para todos nós aqui.”

Publicado no Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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