Apesar de atentados, participação nas eleições no Iraque passa de 62%

Dados oficiais confirmam comparecimento maciço de sunitas; coalizão do primeiro-ministro xiita sai na frente

BAGDÁ – Apesar dos intensos ataques com foguetes e bombas, cerca de dois em cada três eleitores iraquianos saíram para votar no domingo, na segunda eleição parlamentar desde a queda de Saddam Hussein, em 2003. Resultados parciais da contagem de votos em Bagdá e em algumas províncias devem começar a sair só hoje, mas havia ontem indicações de que a coalizão do primeiro-ministro Nuri al-Maliki saiu na frente.

De acordo com a Alta Comissão Eleitoral Independente, 11,7 milhões de eleitores compareceram às urnas, o que equivale a 62,5% do total. A participação ficou abaixo da eleição parlamentar de dezembro de 2005, de 76%, realizada no auge do conflito sectário no país. Os atentados de domingo mataram 38 pessoas e feriram mais de 100.

Além da Al-Qaeda, que havia ameaçado perturbar a votação, há suspeitas de envolvimento de grupos políticos, interessados em prejudicar seus adversários. Controles mais rígidos de identidade nas seções eleitorais também podem ter dificultado a votação.

Integrantes não só da coalizão Estado de Direito, de Maliki, mas também de outros grupos, que acompanharam a contagem de votos, disseram à Associated Press que a legenda do primeiro-ministro teve um bom desempenho. A coalizão afirma estar liderando a contagem em 9 das 18 províncias.

Maliki, que lidera o Partido Dawa, originalmente xiita islâmico, tenta apresentar-se como um político não sectário, embora sua aliança não tenha atraído políticos seculares de peso. Sua votação é maior em Bagdá – que elege 68 das 325 cadeiras do novo Parlamento – e no sul, onde se concentra a maioria xiita, que representa dois terços da população do país.

Já nas províncias do norte e do oeste, onde se concentra a população sunita, a mais votada foi a aliança Al-Iraqiya, liderada pelo ex-primeiro-ministro Ayad Allawi. Ele é xiita, mas de tendência não sectária, e a aliança reúne 11 partidos xiitas, 10 sunitas e 1 turcomano.

O Estado esteve ontem em Falluja, 80 km a oeste de Bagdá, reduto sunita sob influência da Al-Qaeda. Os eleitores disseram que votaram em candidatos sunitas da Al-Iraqiya. Os moradores de Falluja acusaram o governo de Maliki de estar por trás de alguns dos ataques ocorridos no domingo, segundo eles com a intenção de evitar que os sunitas saíssem para votar.

A suspeita foi reforçada depois que a polícia encontrou um veículo do Exército com foguetes dentro, como os que foram disparados em Falluja, Bagdá e noutras cidades iraquianas no domingo. A cidade sofreu 18 ataques com foguetes e explosivos, que deixaram seis mortos – dois policiais e quatro civis.

Apesar disso, a participação sunita parece ter sido alta. Os sunitas, que representam cerca de um terço da população iraquiana, boicotaram as eleições de 2005, o que os deixou sub-representados no Parlamento, potencializando a força política da maioria xiita. A experiência foi traumática.

Nessas eleições, a Comissão de Transparência e Justiça do Parlamento impediu a participação de cerca de 500 candidatos, acusados de ter pertencido ao Partido Baath, de Saddam Hussein. Entre eles estavam integrantes importantes da Al-Iraqiya. A comissão é liderada por deputados da frente xiita sectária Aliança Nacional Iraquiana (INA) e a decisão foi respaldada por Maliki. Ambos se beneficiaram.

Inicialmente, alguns dos sunitas atingidos ameaçaram boicotar as eleições, mas depois conclamaram os eleitores sunitas a comparecer em massa, para não repetir o erro de 2005.

Os votos dos xiitas se distribuíram principalmente entre Maliki, a INA e a al-Iraqiya. O primeiro-ministro sofreu um desgaste por causa das denúncias de corrupção no seu governo e da lentidão no restabelecimento de serviços básicos, como eletricidade e água, depois da guerra de 2003, e também na criação de empregos. As duas queixas estão vinculadas.

Muitos iraquianos se perguntam o que tem sido feito com o dinheiro do petróleo, cuja produção aumentou de 500 mil para 2 milhões de barris por dia. Outros eleitores apoiam Maliki por ter diminuído a violência no país, que chegou a um pico entre 2005 e 2007, e por ter abandonado o sectarismo, rompendo com a INA, que fazia parte de seu governo.

A INA, por sua vez, canaliza o voto religioso xiita. A aliança reúne dois antigos rivais – o clérigo Moqtada al-Sadr e o vice-presidente do país, Ammar al-Hakim, líder do Conselho Supremo Islâmico do Iraque. Do outro lado do espectro, a Al-Iraqiya atrai o voto tanto de xiitas quanto de sunitas seculares, que querem superar a divisão sectária no país. Mesmo os sunitas sectários despejaram seus votos na Al-Iraqiya, diante da constatação de que os xiitas são maioria e é melhor unir-se aos xiitas seculares do que permitir que o governo caia nas mãos dos xiitas sectários.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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