Ex-combatente do grupo terrorista afirma que Irã poderá assumir o controle da Província de Diyala após a saída das tropas americanas
BAQUBA, Iraque – “Sou sincero”, diz o xeque Hussam al-Mujamaa, sentado sobre o tapete no chão de sua sala comprida, num modesto barracão no Campo Saad, antiga base do Exército iraquiano em Baquba, 60 km ao norte de Bagdá. “Eu trabalhava para a Al-Qaeda.” Mujamaa foi subordinado de Abu Musab al-Zarqawi, o líder da Al-Qaeda no Iraque, morto pelos americanos em junho de 2006 no vilarejo de Hibhib, na entrada de Baquba. “Era um homem forte, muito duro para lidar com os outros”, descreve Mujamaa, cuja prima era casada com o motorista de Zarqawi, morto um mês depois que ele. “Era muito radical, mas tinha certo senso de humor.”
“Nosso objetivo era lutar contra os americanos”, continua calmamente Al-Mujamaa, que entrou na Al-Qaeda assim que ela começou a instalar-se no Iraque, em 2003. Apesar de ter apenas 26 anos, chegou à patente de “emir”, ou comandante, da defesa antiaérea (encarregada de derrubar helicópteros americanos). “Mas depois a Al-Qaeda mudou de ideologia, adotou a agenda de outros países e passou a atacar a polícia e o Exército iraquianos. Eu me opus a isso. Tentei fazê-los mudar de ideia. Saí da Al-Qaeda em abril de 2007 e passei a lutar contra eles.”
Na terça-feira, Mujamaa estava no carro com a filha Huda, de 2 anos e meio, quando um artefato explodiu sob o chassi. A menina feriu-se no rosto. “Acho que era uma bomba sonora”, diz Mujamaa, que já perdeu a conta de quantas vezes o tentaram matar. Seu pai, irmão, tio e cinco primos foram mortos pela Al-Qaeda.
Mujamaa é o líder do Sahawat (Despertar) em Baquba, capital da província de Diyala, e diz ter 12 mil homens sob seu comando – 9.500 combatentes e 3.500 vigias. Inicialmente, o movimento, espalhado pelas províncias sunitas do centro-norte e oeste do Iraque, recebia o patrocínio direto dos Estados Unidos. A operação foi transferida em junho de 2008 para o governo iraquiano. Mujamaa e seus homens não estão felizes.
Os EUA pagavam US$ 500 por mês para cada combatente, e de US$ 4 mil a US$ 5 mil para Mujamaa. O soldo caiu para US$ 250 e o contingente, de 16 mil para 12 mil. Mujamaa parou de receber sua parte.
À pergunta sobre se Diyala ficará segura depois da retirada das tropas americanas, Mujamaa garante que não: “O Irã vai assumir o controle.” Ele afirma que a Al-Qaeda no Iraque é sustentada pelo regime iraniano. Muitos iraquianos, principalmente sunitas, acreditam nisso.
A polícia de Diyala sofreu um duro golpe da Al-Qaeda no dia 3. Quatro dias antes das eleições parlamentares de domingo, uma sequência coordenada de três atentatos a bomba matou 33 pessoas, entre elas 12 policiais, e deixou 72 feridos. “Para recrutar três terroristas suicidas numa cidade pequena, e realizar atentados como esses, é preciso ser um grupo grande, bem financiado e estruturado”, reconheceu ao Estado o coronel Raguib el-Awomery, comandante da Polícia Federal na província de Diyala.
Mesmo assim, o coronel acha que os americanos podem ir embora. “Dia após dia, as forças iraquianas estão assumindo as responsabilidades dos americanos”, disse ele. “Espero que tudo corra conforme o cronograma.” De maio a agosto, o número de soldados americanos deve ser reduzido de 97 mil para 50 mil. O foco da missão mudará do combate para o treinamento das forças iraquianas – tanto militares quanto policiais.
As Forças Armadas iraquianas têm 197 mil homens; a polícia, 600 mil. Em Diyala, são 20 mil policiais, e Awomery diz que não há necessidade de mais. “Estamos fazendo progressos contínuos contra a Al-Qaeda, não só a polícia e o Exército, mas também os cidadãos comuns, que nos dão informações”, disse Awomery. Ele reconhece que o Despertar “tem desempenhado um papel significativo em ajudar as forças de segurança a limpar a área, a combater a Al-Qaeda e outros grupos armados”.
De acordo com o governador de Diyala, Abdul Nasser Mahmud, o Despertar foi importante também para neutralizar a influência da Al-Qaeda nas mesquitas, que eram usadas como locais de doutrinamento e recrutamento. “As pessoas viram que gente religiosa, como os integrantes do Despertar, estava contra a Al-Qaeda”, disse ele ao Estado.
O coronel Awomery levou o Estado num comboio da polícia para uma patrulha no bairro de Al-Aza, antes inteiramente controlado pela Al-Qaeda, que montava até postos de controle nas ruas de Baquba. O comboio parou em frente à antiga Escola El-Amin, que a Al-Qaeda transformou em quartel-general. Os americanos desalojaram os terroristas num ataque de mísseis. A escola foi transformada, simbolicamente, em delegacia de polícia. Mas, também simbolicamente, a Al-Qaeda a destruiu completamente, num atentado a bomba, em 2007.
“Esta é a questão crítica”, diz o governador Mahmud, diante da pergunta sobre se é possível manter a segurança em Diyala sem a ajuda dos americanos. “Se os grupos políticos se reconciliarem, se os países vizinhos pararem de interferir nos nossos assuntos, se o próximo governo for equânime, se conseguirmos atrair investimentos externos, impulsionar a economia e diminuir o desemprego, que facilita o recrutamento dos terroristas, sim.” São muitos “ses”.
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