Chalabi, um desconhecido em Bagdá

‘Nunca ouvi falar’, repetem moradores, um dia depois de opositor ter-se instalado na capital

BAGDÁ – O eixo da tomada de decisões sobre o futuro político do Iraque se transferiu finalmente para Bagdá, depois de passar por Washington, Kuwait e Nasiriya, no sul do país. O general Tommy Franks, chefe do Comando Sul, que conduziu a operação militar no Iraque, e Ahmed Chalabi, dirigente do Congresso Nacional Iraquiano (CNI), a principal frente de oposição a Saddam Hussein, chegaram à capital na quarta-feira.

Chalabi, desconhecido no Iraque até uma semana atrás, montou seu QG no Clube de Caça Iraquiano, um dos mais exclusivos de Bagdá, criado pelo próprio Saddam. Ontem à tarde, fuzileiros navais americanos e um tanque estacionado do lado de dentro da entrada social garantiam o sono tranqüilo de Chalabi, literalmente: seus assessores informavam que ele estava tirando uma soneca.

A estada de um dia de Franks em Bagdá foi mais discreta. Mas o entra-e-sai de dirigentes da oposição e líderes religiosos e tribais no Hotel Palestina, cercado por fuzileiros navais americanos, sugere que ali se está desenhando o novo mapa político iraquiano. Representantes desses líderes já tinham iniciado as conversações com funcionários americanos em Washington antes da guerra.

Enquanto os americanos seguem um plano longamente arquitetado, os iraquianos seguem perplexos. “Chalabi?”, repetem, na rua. “Nunca ouvi falar.” Na Jordânia, o homem para o qual os americanos destinaram um papel-chave na construção do novo regime é mais conhecido. Ele protagonizou um escândalo no fim dos anos 90, ao fazer um desfalque de US$ 50 milhões antes de se exilar em Londres, segundo seus sócios no Banco Batraa. Para os seguidores de Chalabi, o dinheiro serviu para financiar as atividades do CNI. A CIA também parece ter dado pela falta de US$ 4 milhões nas prestações de contas custeadas pelo serviço secreto americano.

A CIA também parece ter dado pela falta de US$ 4 milhões nas prestações de contas custeadas pelo serviço secreto americano.

Não falta simbolismo aos locais escolhidos em Bagdá pelos inimigos do “antigo regime”. Saddam mandou construir o Clube de Caça Iraquiano para esnobar a elite tradicional de Bagdá, em cujos clubes não era bem-vindo, antes de assumir o poder, por causa de sua origem social humilde.

Na entrada do clube, os azulejos com o retrato pintado de Saddam foram arrancados. Ficou apenas a moldura, com o quadro de dois metros por um em branco. Nas paredes, foram colados cartazes com a foto de Chalabi. Nos jipes japoneses usados pelo partido – com as placas kuwaitianas cobertas por sacos plásticos – tremula a bandeira verde, amarela e branca do INC. Até então também desconhecida pelos iraquianos, que só ouviam, liam e viam o que Saddam quisesse.

Já os dois grupos curdos, o PKK e o PUK, instalaram-se no início da semana em edifícios do Partido Baath, o mesmo que conduziu ao longo de décadas uma política de repressão sistemática contra a minoria. O novo regime se assenta fisicamente sobre o velho, sem sutilezas.

 Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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