Esperança de paz ajuda população a vencer medo

Iraquianos ignoram bombas a fazem da votação um programa de família

BAGDÁ – Addil Ali al-Bidery caminhava com a mulher, a filha adolescente e o filho pequeno para a sua seção eleitoral, numa escola na região central de Bagdá, quando uma bomba explodiu na rua. A família não saiu ferida e, em vez de voltar para casa, continuou caminhando mais 5 minutos até a escola. “Isto é normal para nós”, explicou Bidery, de 42 anos, empregado de um supermercado.

Assim como a grande maioria dos eleitores que o Estado entrevistou nos últimos dez dias em Bagdá, Bidery votou no ex-primeiro-ministro xiita Ayad Allawi, líder da coalizão secular Al-Iraqiya. “Não estou contente com a situação do país”, disse Bidery, queixando-se de que não tem um emprego formal. “Para se conseguir um emprego, é preciso pagar propina a um funcionário público”, explicou, repetindo uma queixa muito comum entre os iraquianos. “Talvez Allawi traga mudanças.”

O xiita Bashir Saleh al-Sahedi, de 35 anos, veio com a mulher, Tabarak, empurrando um carrinho de bebê com seu filho e os pais dele. “Os atentados são mais um motivo para votarmos, porque queremos que eles acabem”, disse Sahedi, que votou num candidato da lista do primeiro-ministro Nuri al-Maliki porque foi seu professor. “As explosões não vão nos deter”, confirmou Tabarak, de 19 anos, os grandes olhos verdes contrastando com o véu e o vestido cor-de-rosa.

“Vim votar porque quero parar essas bombas”, respondeu Ayad Tareq, de 38 anos, à pergunta sobre se não tinha medo de sair de casa em meio aos atentados a bomba e ataques com morteiros e foguetes Katyusha. Funcionário do Ministério dos Transportes, Tareq confessa que também votou no principal candidato da oposição: “Gosto de Allawi porque ele não discrimina entre xiitas e sunitas, e porque acho que vai ganhar”, explicou. “Maliki foi bom no início, mas depois se tornou irreconhecível. Só ajuda o grupo dele, não as pessoas comuns. Ficou igual a Saddam (Hussein)”, completou, referindo-se ao ditador que governou o Iraque de 1979 até a invasão americana, em 2003.

“Poucas pessoas estão vindo votar, porque estão vendo primeiro o que vai acontecer”, reconheceu Amr Ahmed Niaimi, de 49 anos, com a mulher, um casal de filhos pequenos e um primo. “Não tenho medo.” Niaimi trouxe o filho Abdullah, de seis anos, porque ele queria colocar a tinta azul indelével no indicador, destinada a evitar que votem mais de uma vez. Também votou em Allawi: “Foi um bom primeiro-ministro e não é sectário.”

Em meio aos barulhos das explosões, Mohammed Abu Yassin Al-Ani veio votar com a mulher e quatro filhas, a mais nova de colo e a mais velha adolescente. “No ano passado, uma bomba explodiu perto da minha casa”, contou Ani, um funcionário público de 31 anos. “Podemos ser mortos tanto na rua quanto em casa.” Sunita, ele votou na aliança liderada pelo ex-primeiro-ministro xiita Ayad Allawi: “Precisamos de mudança.”

Rabiya, outra eleitora sunita de Allawi que não quis dar o primeiro nome, declarou ao lado da filha adolescente: “Tenho medo, mas o que posso fazer? O Iraque é precioso para nós. Precisamos salvá-lo.”

“Estamos acostumados com as bombas”, disse Mustapha Munjed, um estudante de 19 anos. “Voto na lista de Allawi porque ele é honesto.” A corrupção é uma das principais acusações contra o governo do primeiro-ministro Nuri al-Maliki. Muitos iraquianos se perguntam para onde foi o dinheiro do petróleo, cuja produção saltou de 500 mil para 2 milhões de barris por dia, enquanto boa parte dos prédios destruídos durante a guerra não foi reconstruída, as ruas e estradas continuam esburacadas e cheias de entulho e lixo e o fornecimento de eletricidade e água é precário.

Como muitos sunitas, Munjed gostaria de ter reelegido o deputado Saleh al-Mutlaq, líder de um partido sunita secular que integra a aliança Al-Iraqiya, de Allawi. Mas, por ter pertencido ao Partido Baath, de Saddam, ele foi banido das eleições pela Comissão de Transparência e Justiça do Parlamento, dominada por dois deputados da Aliança Nacional Iraquiana (INA), formada por grupos xiitas apoiados pelo Irã. Maliki apoiou o banimento, que atingiu cerca de 500 candidatos.

A INA foi a lista escolhida por Fahed Abdullah al-Aziz, de 42 anos: “Ela tem políticos famosos e gostei do que eles disseram na campanha.” A aliança reúne o clérigo Moqtada al-Sadr e o líder do Conselho Supremo Islâmico do Iraque, Ammar al-Hakim, cujas milícias foram responsáveis por boa parte da violência sectária entre 2005 e 2007, mas que agora se concentram no jogo político, e também por xiitas seculares, como Ahmed Chalabi, que trocou o apoio dos Estados Unidos pelo do Irã.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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