Reuniões políticas normalmente ocorrem em recintos fechados; vice-ministro xiita secular é um dos poucos que fazem campanha na periferia
BAGDÁ – “Esta é a campanha mais segura que já tivemos.” A frase, do vice-ministro do Diálogo e da Reconciliação e candidato a deputado Saad Yousif al-Muttalibi, não deve iludir o leitor. Embora a tensão tenha diminuído muito quando comparada com as primeiras eleições parlamentares de dezembro de 2005, o Iraque está muito longe de ser o cenário de uma campanha como ela é conhecida no Ocidente. E isso não só por causa da violência sectária, mas também pela cultura política.
Quando saem às ruas para pedir votos, os candidatos iraquianos normalmente não se dirigem aos eleitores em geral, mas apenas aos chefes tribais, que são os que determinam o voto dos demais dentro de suas extensas famílias de milhares de pessoas, vinculadas pelo mesmo sobrenome e pelos casamentos entre primos. Em muitos casos, por razões de segurança, essas reuniões acontecem em recintos fechados, preferencialmente nos auditórios de hotéis fortemente guardados.
Nos últimos cinco dias, só no Hotel Al-Mansour ocorreram dois encontros desse tipo, um com o primeiro-ministro Nuri al-Maliki, que recebeu o apoio de líderes tribais de várias regiões do país, e outro com o ministro do Petróleo, Hussein al-Shahristani, que falou para cerca de 200 líderes tribais de Kargh, a parte oeste de Bagdá. Em sinal do prestígio do ministro, compareceu também o chefe do Conselho Tribal de Rossafa, que representa o lado leste da cidade.
Alguns poucos, no entanto, saem ao ar livre. É o caso do xiita secular Muttalibi, que foi ontem pedir votos nos bairros xiitas de Abu D’sheer e Al-Hurria. Ao lado de Sadr City, esses bairros fazem parte de um cinturão de pobreza e violência na periferia de Bagdá onde nem a polícia iraquiana e muito menos soldados americanos gostam de estar. Al-Muttalibi deixou seu escritório – que lhe serve também de casa, para evitar movimentações arriscadas e desnecessárias – ao meio-dia com uma pistola cromada em uma das mãos, que passou ao seu motorista assim que entrou no carro.
“Tenho três (fuzis) AKs em casa”, contou Muttalibi, que é também membro do Conselho de Segurança Nacional. “Embora o governo tenha confiscado centenas de milhares de armas, há outros centenas de milhares com os cidadãos. Mas a situação não é tão ruim quanto antes.” Além do motorista, um jovem assessor que fazia as vezes de fotógrafo acompanhava o candidato. “Não gosto de muitos carros em comboio. Ser discreto é mais seguro”, disse o candidato já a caminho de Abu D’aheer, um bairro xiita cercado por outro maior, sunita, de onde são disparados, com frequência, morteiros da Al-Qaeda.
No caminho, havia um jipe Humvee do Exército americano que acabava de ser atingido por um explosivo colocado na estrada. O artefato doméstico fez apenas afundar a lataria do jipe, que ficou preta. Ninguém saiu ferido, mas foi o suficiente para a polícia bloquear o trânsito dos dois lados da avenida, causando um enorme congestionamento.
Em uma grande tenda armada no meio da rua o aguardavam cerca de 30 líderes tribais. Sem discursos nem comício, o encontro foi rápido, apenas conversas de campanha, enquanto dezenas de crianças corriam e brincavam em volta da tenda colorida. Um almoço à moda tribal foi servido em seguida – mistura de arroz, macarrão, amendoim e carne de cabrito, comida com a mão direita, conforme a tradição. O que sobrou foi levado para dentro das casas, para que mulheres e crianças pudessem almoçar, sentados em roda, no chão.
Cerca de uma hora depois foi a vez do bairro de Al-Hurria (Liberdade). O mesmo ritual, com exceção do almoço. Nas ruas estreitas, tratores e carroças dividem o espaço com carros velhos, muitos deles os Passats brasileiros importados nos anos 70 e 80. Enquanto o jipe de Al-Muttalibi era manobrado, um forte barulho na lataria do carro foi confundido com um disparo, o que fez o motorista, ainda dirigindo, levar a mão à pistola na intenção de sacá-la. O candidato o acalmou.
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