Iraque quer impulsionar negócios com o Brasil

Reabertura da embaixada brasileira deve incentivar relação comercial

BAGDÁ – Pelas ruas de Bagdá ainda circulam os Passats brasileiros importados maciçamente nos anos 70 e 80 – e aqui chamados de “Brasil”. Assim como as estradas construídas por empresas brasileiras – que resistiram a contínuas guerras – e o gosto do frango vindo do Brasil, o preferido dos iraquianos, são a marca de uma antiga relação comercial. Sem grande esforço, as exportações do Brasil para o Iraque (incluindo a triangulação através de países vizinhos) saltaram dos US$ 6 milhões, em 2001, para US$ 717 milhões, em 2009, praticamente dobrando o resultado de 2008 e também o recorde histórico alcançado em 1989.

Mas o potencial é muito maior. “Acho que o Iraque pode se beneficiar muito com as relações com o Brasil”, diz Wathiq Hindo, diretor do escritório de Bagdá da Câmara de Comércio e Indústria Brasil Iraque. “O Brasil tem um estilo de fazer negócios que é muito aceitável aqui.” Os iraquianos demonstram grande conhecimento dos produtos brasileiros.

Quando esteve com o ministro da Defesa, Abdul Qadir al-Obeidi, o embaixador do Brasil no Iraque, Bernardo de Azevedo Brito, não precisou descrever os armamentos exportados pelo Brasil. O ministro começou a elogiar os aviões Tucano da Embraer, os foguetes Astros da Avibrás e os blindados Urutu da Engesa. O interesse iraquiano tem sido demonstrado com visitas ao Brasil de ministros iraquianos importantes, como o do Planejamento, Ali Baban. Em contraste, nenhuma autoridade brasileira visitou o Iraque depois da guerra de 2003.

Outros governos têm-se comportado de outra forma: vieram a Bagdá os ministros das Relações Exteriores da França (três vezes), da Itália, da Espanha, de Portugal e da Bélgica, além do presidente da França e do primeiro-ministro da Austrália, para não falar dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, diretamente envolvidos na ocupação do Iraque, e de governantes de países da região. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem à região em meados de março, para visitar , a Jordânia, Israel e até a capital palestina de Ramallah, mas não incluiu Bagdá no seu roteiro. Hindo aposta na vinda de um ministro brasileiro depois das eleições iraquianas do próximo domingo.

As construtoras brasileiras gozam de bom nome no Iraque, diz o embaixador, graças à durabilidade das estradas, ferrovias e portos que deixaram no país. Mas não quiseram voltar, depois do trauma sofrido pela Odebrecht, com o sequestro e assassinato de um de seus engenheiros, depois da invasão de 2003. A Petrobrás, por sua vez, descobriu em 1973 um dos mais importantes campos de petróleo do Iraque, Majnoon (“Louco”, em árabe), mas não participou no ano passado da pré-qualificação para desenvolvê-lo, aparentemente concentrada no pré-sal. Atraídas pela segunda maior reserva de petróleo do mundo, extraído a US$ 1,70 o barril, todas as outras grandes companhias de petróleo do mundo – mais de 30 – disputam contratos no Iraque.

O Brasil importou US$ 718 milhões em petróleo do Iraque em 2009 e US$ 1,18 bilhão em 2008. Suas exportações diretas para o Iraque foram apenas US$ 250 milhões no ano passado e US$ 106 milhões no ano anterior. O restante foi vendido ao Iraque via países vizinhos, como a Turquia e o Kuwait.

O presidente da Câmara de Comércio e Indústria, o iraquiano Jalal Chaya, há 32 anos no Brasil, conta que reabriu seu escritório dois dias depois da queda de Saddam Hussein, em abril de 2003. Criada em 1974, a Câmara havia sido fechada depois que Saddam assumiu, em 1979, centralizando todas as importações em órgãos do Estado. “Não havia trabalho para a Câmara”, diz ele. Agora, embora a receita do petróleo continue toda nas mãos do Estado, Chaya acredita que os negócios privados crescerão. O frango, principal produto exportado pelo Brasil, por exemplo, é 100% vendido para empresas privadas.

Os negócios deverão ser impulsionados também pela reabertura da embaixada do Brasil em Bagdá. O embaixador está baseado em Amã, na Jordânia, desde que assumiu o posto, em setembro de 2006, por causa das condições de segurança em Bagdá. Brito viaja uma vez a cada dois meses para a capital iraquiana, e fica hospedado em um cubículo no complexo da empresa de segurança britânica Control Risk.

O governo brasileiro alugou uma casa de 2 mil metros quadrados em Bagdá, que passará por reformas para aumentar sua segurança – incluindo muros e vidros especiais -, devendo ficar pronta em setembro. Três jipes foram comprados e blindados nos Estados Unidos, para resistir a explosões. O embaixador, outro diplomata e três ou quatro funcionários administrativos viverão confinados na embaixada, saindo apenas de dia, no comboio com guardas armados de metralhadoras, para reuniões de trabalho.

O embaixador, de 74 anos, o mais velho do Itamaraty, diz que só aceitou essa missão depois de aposentado por causa do desafio que ela representa: “Se me oferecessem qualquer outro posto que não o Iraque, eu estaria agora numa praia em Florianópolis.”

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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