Há 50 anos, atentado à bomba de terroristas judeus contra os administradores ingleses da Palestina matava 91 pessoas e destruía o Hotel Rei Davi, em Jerusalém
O atentado contra o Hotel Rei Davi ajudou a desencadear acontecimentos que culminaram na criação do Estado de Israel e se tornou emblemático por seu conteúdo de violência. Depois da guerrilha e do terror, seguiram-se as perseguições a criminosos nazistas, seqüestros espetaculares de inimigos, fossem alemães ou árabes, executados no local ou levados para Israel, incursões e operações cirúrgicas noutros países e uma série interminável de proezas que celebrizaram o Mossad e os pilotos israelenses.
Além disso, Israel foi sendo talhado à razão de uma guerra por década e no confronto desigual com os palestinos habitantes dos territórios ocupados em 1967. A violência é um componente marcante na vida desse país extraordinário, um paradoxo insistente numa sociedade gerada no sonho sionista de uma pátria que abrigaria fraternalmente os judeus perseguidos e injustiçados ao longo de milênios.
O professor Edy Kaufman, de 54 anos, da Universidade Hebraica de Jerusalém, é um importante estudioso da identidade israelense. Autor do livro Democracia, Paz e o Conflito Israel-Palestinos, escrito em conjunto com o cientista político palestino Shukri Abed, o professor enfatiza a natureza específica da violência em que Israel tem estado mais comumente envolvido: contra não-judeus e fora dos procedimentos legais.
Nessa categoria se enquadram as operações espetaculares mencionadas acima, justificadas pragmaticamente diante das dificuldades de se obter extradições de criminosos encontrados e às vezes protegidos em países estrangeiros. Exemplo recente desse tipo de operação foi a explosão do telefone celular que matou o Engenheiro, arquiteto dos atentados do Hamas. Kaufman confirma a eficiência do Mossad: “Só conheço um caso de erro de identidade, o de um garçom marroquino, cuja família Israel decidiu indenizar.”
Apesar da notoriedade dessas operações clandestinas, seus autores são rejeitados pelo senso comum em Israel como aqueles que têm “sangue nas mãos”. Em contraste com essa prática, pela via legal, Israel, segundo o professor Kaufman, aplicou apenas uma vez a pena de morte, contra o criminoso nazista Adolf Eichmann, enforcado em 1962 em Tel-Aviv.
O professor cita também, nesse contexto, a repressão a manifestações palestinas e a tortura nos interrogatórios, prevista na legislação como “pressão física moderada”. Esse dispositivo é em geral justificado pela situação conhecida como o “tique-taque da bomba-relógio”, ou seja, a violência é aceita para arrancar confissões que evitem novas mortes – mais violência, e contra judeus.
Kaufman lembra iniciativas de usar balas de borracha e outras destinadas a evitar mortes para argumentar que “Israel não tem sido mais brutal nos territórios ocupados do que foram os ingleses na Índia, os franceses na Argélia ou os holandeses na Indonésia”.
Nem por isso, garante o professor, os judeus estão menos “envergonhados pelo uso da violência”, com exceção de figuras como o general Ariel Sharon, que defende o uso de tanques contra civis e acaba de assumir o poderoso Ministério da Infra-Estrutura, criado para ele.
A violência entre judeus, como a que matou o primeiro-ministro Yitzhak Rabin no ano passado, é muito rara em Israel. Kaufman se lembra de apenas quatro casos. De tão poucos, ele sabe de cor o nome de todas as vítimas. A Stern Gang, grupo terrorista no qual atuou o ex-primeiro-ministro Yitzhak Shamir, matou um certo Tubiansky, acusado de espionar para os britânicos; o sindicalista Arlos Orloff, socialista, foi assassinado, supostamente por um judeu; no início dos anos 80, uma granada lançada por um jovem contra uma manifestação pacifista matou Emil Greenzweig; e o judeu ultra-ortodoxo Yigal Amir assassinou Rabin, também depois de uma manifestação pacifista.
O professor israelense, diretor do Instituto Truman de Pesquisa sobre a Paz, em Jerusalém, diz estar preocupado com as mudanças na percepção do problema da segurança em Israel. Ele lembra que no passado se tratava de segurança de Estado; depois da onda de atentados do Hamas, o temor passou a se concentrar na segurança pessoal. “Os israelenses estão com medo de abrir caixas do correio, andar de ônibus, coisas assim.”
Essa situação levou à eleição do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, de linha dura. O professor teme pela reação do governo, por exemplo, a um atentado, o que, desde a eleição de maio, ainda não ocorreu. “Netanyahu fez comícios diante de centenas de cartazes que chamavam Rabin de traidor, antes de seu assassinato”, lembra Kaufman. “Ele não acusou diretamente o primeiro-ministro, mas a reação correta seria se recusar a falar a uma audiência dessas.” Para o professor, “os israelenses deviam saber que, ao aceitar a violência, estão legitimando o seu uso”.
Kaufman teme uma deterioração em Israel. “Temos de conceder os cem dias de graça ao primeiro-ministro”, ressalva. “Mas não sabemos qual é o limiar de violência desse novo governo.”
Seja como for, o professor defende a tese de que a noção de democracia em Israel já está comprometida por causa da ocupação dos territórios árabes. “Hoje, esses territórios, na melhor das hipóteses, têm o status de bantustões, com esse regime de autodeterminação”, afirma o professor. “Eleições de quatro em quatro anos não bastam para se ter democracia.” Kaufman assinala que é preciso respeitar “não só o direito à vida, mas o de movimento, de expressão, etc., e esses têm sido afetados pela ocupação”.
A violência, na verdade, assume formas diversas e Israel tem convivido com muitas delas.
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