Eleição de sucessor será direta, ‘se Israel deixar’

Manutenção do cerco a cidades palestinas impossibilitaria votação livre, diz vice-ministro

JERUSALÉM – Ainda não está definido como será eleito o sucessor do presidente da Autoridade Palestina, Yasser Arafat, mergulhado em coma profundo num hospital militar em Paris. De acordo com o vice-ministro da Informação da AP, Ahmed Sobeh, a votação poderá ser ou direta ou indireta, via Parlamento. “Se os israelenses deixarem, logicamente será direta”, disse Sobeh ao Estado. “Se continuar como está, obviamente não será possível”, acrescentou o dirigente palestino, referindo-se aos cercos militares israelenses às cidades palestinas.

Dirigentes da Organização de Libertação da Palestina (OLP) e da principal facção que a integra, a Fatah, passaram o dia ontem reunidos em Ramallah e decidiram que a sucessão obedecerá a Constituição palestina. Ou seja, o presidente do Parlamento, Rawhi Fattouh, de 55 anos, considerado um moderado, assumirá por no máximo 60 dias, até a realização da eleição. Mas, se a liberdade de ir e vir dos palestinos continuar restringida pelos bloqueios militares israelenses, será feita uma emenda à Constituição permitindo o voto indireto. Segundo o vice-ministro, a Constituição já prevê que a eleição será direta “se houver condições para isso”.

Caberá ao Comitê Eleitoral da AP decidir se há ou não condições. “Tudo está na Constituição. Não haverá problemas”, disse Sobeh, um médico e velho amigo de Arafat, traindo profunda depressão na voz. “Não está nada bom”, reagiu o vice-ministro, ao ser cumprimentado pelo repórter do Estado. “Estamos aqui, esperando notícias”, acrescentou Sobeh, em sua casa em Ramallah. Os dirigentes palestinos evitam falar de um candidato natural à substituição de Arafat. O nome mais cotado é o de Mahmud Abbas, conhecido como Abu Mazen, secretário-geral da OLP, também presidida por Arafat. “Ainda é cedo para falar disso”, desconversou Sobeh.

Arafat, 75 anos, internado no Hospital Militar de Percy, na França, desde o dia 29, será enterrado em Ramallah, onde passou os últimos três anos em seu quartel-general, sob ameaça israelense de não poder voltar mais, caso saísse. Antes, porém, seu corpo deve passar pelo menos algumas horas no Cairo, para que os chefes de Estado árabes, impedidos por Israel de visitar Ramallah, possam render suas últimas homenagens. A mulher de Arafat, Suha, que mora em Paris com a filha do casal, Zahwa, deve vir para as duas cerimônias.

O analista político Zeev Schiff, colunista do jornal israelense Haaretz, considerou uma “sofisticada manobra política” dos palestinos a escolha de Ramallah para enterrar Arafat. O governo israelense queria que o enterro fosse em Khan Yunis ou em Sheikh Redwan, na Faixa de Gaza, em cujos cemitérios a família de Arafat possui lotes. Arafat gostaria de ser enterrado na Esplanada das Mesquitas, local sagrado para os muçulmanos, em Jerusalém.

Ramallah surgiu não apenas como uma solução de compromisso, mas como um local de extraordinário simbolismo, observa Schiff. O quartel-general semidestruído por ataques israelenses, que o reduziram a quatro cômodos, e cujo confinamento agravou o estado de saúde de Arafat, segundo os médicos, será transformado num mausoléu e símbolo da resistência dos palestinos e de seu líder, e certamente se tornará um local de peregrinação.

A morte do líder palestino é considerada iminente. O presidente do Conselho Superior do Tribunal Islâmico, Taissir Dayut Tamimi, também um velho amigo de Arafat, disse que o líder palestino “pode estar nas últimas horas”, depois de visitá-lo na unidade de terapia intensiva. Tamimi foi a Paris para conduzir os rituais islâmicos destinados aos mortos. Sua presença serve também para reforçar as garantias de que Arafat não será objeto de eutanásia, contrária às leis islâmicas.

“Nenhum aparelho será desligado”, reiterou ontem o chanceler palestino, Nabil Shaath. “Ele não está sentindo dor. Todos querem esperar.” O chanceler, que voltou ontem de Paris, numa delegação de quatro dirigentes palestinos, explicou que o corpo de Arafat sofreu uma “reação em cadeia”: uma inflamação intestinal o impediu de se alimentar durante 26 dias; seu sangue perdeu glóbulos vermelhos e brancos, tornando mais difícil injetar nutrientes pela via intravenosa. Segundo Shaath, a hemorragia cerebral se agravou ontem; o coração e pulmões funcionam, mas os rins e o fígado, não.

 Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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