Poucas horas depois do anúncio, grupos armados palestinos trocam tiros perto de Abbas
RAMALLAH – A Autoridade Palestina (AP) anunciou ontem em Ramallah o calendário eleitoral para a escolha do sucessor de Yasser Arafat. A segunda eleição presidencial direta realizada pelos palestinos – a primeira foi vencida por Afarat em 1996 – será no dia 9 de janeiro, anunciou o presidente interino da AP, Rawhi Fattuh. Os candidatos terão 12 dias para se inscrever, a contar do próximo dia 20, e a campanha durará de 27 de dezembro a 8 de janeiro.
O anúncio foi feito mesmo sem garantias oficiais, por parte de Israel, de que vá retirar suas tropas para as posições anteriores a setembro de 2000, quando cercou as cidades palestinas para reprimir a intifada, o levante popular nos territórios; ou de que vá permitir a participação dos eleitores de Jerusalém Oriental. A AP condiciona a realização de eleições diretas a essas duas medidas. O negociador-chefe palestino, Saeb Erekat, reiterou ontem seu apelo para que a comunidade internacional pressione Israel a atender a essas condições.
Algumas horas depois do anúncio, numa amostra dos perigos que envolvem a sucessão de Arafat, cerca de 30 homens armados entraram atirando para o alto numa tenda com mil pessoas, em Gaza, onde o provável candidato da AP à presidência, Mahmud Abbas, participava de uma vigília em homenagem ao líder palestino, morto na quinta-feira. Os homens gritavam slogans contra Abbas. Seus guarda-costas reagiram e dois deles foram mortos.
Numa rápida entrevista à TV Palestina, Abbas atribuiu o acidente a um “atrito” entre homens armados, que começaram a atirar para o alto. “Não há nenhuma dimensão política ou pessoal no que aconteceu”, garantiu Abbas.
Conhecido pelo nome de guerra Abu Mazen, Abbas assumiu na sexta-feira a presidência da Organização de Libertação da Palestina. Aos 69 anos, um velho companheiro de Arafat e arquiteto dos acordos de paz de 1993 e 94, Abbas sempre atuou nos bastidores e goza de pouca simpatia da população, principalmente dos mais jovens.
Ele poderá ser desafiado na eleição por Marwan Barghuti, de 46 anos, popular líder da intifada. Barghuti está preso em Israel desde 2002, condenado a cinco sentenças de 99 anos, pela morte de quatro israelenses e um grego. Mas, segundo uma fonte próxima, ele pretende lançar-se junto com um vice – cargo inexistente hoje na AP -, que governaria enquanto ele estivesse na prisão.
A morte de Arafat abriu caminho para uma aliança tácita entre o governo israelense e a Autoridade Palestina. “A equipe de Ariel Sharon (chefe de governo israelense) tem boas lembranças do trabalho com Abbas durante sua breve passagem pelo cargo de primeiro-ministro palestino no verão de 2003, e espera um bom relacionamento no futuro também”, diz o analista político Aluf Benn, do jornal Haaretz. Abbas, considerado um moderado, renunciou por causa de divergências com Arafat sobre a condução das negociações.
Membro da Fatah, a facção criada por Arafat em 1958, Barghuti apoiou o processo de paz mas também é favorável ao uso da violência. Resistindo às pressões para que ele seja solto, Israel ajudaria o candidato oficial da AP na eleição. E é isso, em princípio, que parece disposto a fazer: “Ele continuará na prisão pelo resto da vida, porque é um assassino, reponsável pela morte de tantas pessoas”, disse o chanceler israelense, Silvan Shalom. Mas o quadro ainda pode mudar, dependendo da decisão do grupo terrorista islâmico Hamas, com influência crescente nos territórios, de lançar candidato ou não.
O múfti (líder religioso) dos árabes-israelenses, xeque Abdullah Nimer el-Darawish, disse que conversou no sábado com líderes do Hamas e da Jihad Islâmica, e ambos concordaram que os palestinos devem se unir agora. “Se não nos mantivermos unidos, isso significa que Abu Ammar (nome de guerra de Arafat) morreu”, disse o múfti ao Estado. “Se ficarmos unidos, então Abu Ammar continua vivo.”
Entre os que foram prestar homenagem a Arafat ontem na Muqata, o quartel-general da AP, em Ramallah, destacava-se um grupo de rabinos ultra-ortodoxos, da seita anti-sionista Neturei Karta, contrária à reocupação da Terra Prometida pela força das armas. Os rabinos propuseram a construção de uma sinagoga perto da Muqata, “como um símbolo eterno na Terra Santa da amizade duradoura entre o Judaísmo da Torá (livro sagrado judaico) e o povo nativo da Palestina”. O líder do grupo, o rabino Daud Salah, saiu empunhando uma bandeira palestina.
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