Se Hamas vencer e houver caos em Gaza, israelenses rejeitarão novas desocupações, diz analista
JERUSALÉM – Divisor de águas na política do Estado de Israel, a retirada da Faixa de Gaza obteve apoio de cerca de 70% dos israelenses, segundo pesquisas feitas na época. Enfrentando resistência no Likud – o partido que ajudou a fundar e do qual acabou saindo -, e dentro do governo, o primeiro-ministro Ariel Sharon seguiu adiante com seu projeto, demonstrando extraordinária disposição de mudança, visão estratégica e sintonia com os sentimentos da maioria da população.
Sharon concluiu que, para ser seguro, Israel não podia estender excessivamente seus domínios territoriais, nem açambarcar uma população palestina em franca explosão demográfica. Uma vez vencedor das eleições de 28 de março próximo – que, conforme as pesquisas, lhe dariam o terceiro mandato -, Sharon pretendia desmantelar colônias em algumas áreas da Cisjordânia, ao mesmo tempo em que as consolidaria em outras áreas, formando “blocos de assentamentos”. O que restasse, somado à Faixa de Gaza, comporia o novo Estado palestino.
A abrupta saída de cena de Sharon, que pode sobreviver ao derrame, mas não deve voltar ao cargo, cria uma interrogação sobre o futuro dessa política. Apesar da maciça aprovação popular da saída da Faixa de Gaza, ela não será a questão definidora dessas eleições, acredita o cientista político Reuven Hazan, da Universidade Hebraica, especialista em pesquisas de opinião e no tema da desocupação. “É apenas uma entre muitas questões, que não define toda a problemática política”, diz Hazan. “Até porque o Kadima (de Sharon) não é o único que defende o desengajamento”, argumenta o analista, usando o eufemismo israelense para desocupação. “O Partido Trabalhista também é a favor dele.”
Hazan prevê que, se a Faixa de Gaza continuar em relativa calma interna (apesar dos ataques com foguetes kassam, que continuam partindo de lá, dirigidos contra áreas israelenses), o tema não impactará as eleições. O cenário pode mudar com as eleições parlamentares palestinas, marcadas para 25 de janeiro, nas quais se prevê bom desempenho do grupo extremista Hamas. “Se, depois das eleições, Gaza mergulhar no caos, não haverá futuros desengajamentos.”
Na verdade, reconhece Hazan, ninguém sabe ao certo qual a porcentagem de apoio a uma eventual retirada de assentamentos da Cisjordânia. “Isso não foi perguntado nas pesquisas, não estava na agenda”, diz ele. Do ponto de vista do mapa desenhado no Velho Testamento, segundo a leitura ortodoxa, Gaza faria parte de Israel tanto quanto Judéia e Samaria, os nomes bíblicos pelos quais os judeus chamam a Cisjordânia.
Tanto um quanto o outro foram ocupados em 1967, na Guerra dos Seis Dias, juntamente com as Colinas do Golan, que pertenciam à Síria. A Faixa de Gaza estava sob controle do Egito e a Cisjordânia, da Jordânia. Mas a ocupação de partes da Cisjordânia, um território muito maior e menos saturado de população palestina, sempre pareceu aos israelenses mais viável do que a da densa Faixa de Gaza.
Nos 360 quilômetros quadrados da Faixa de Gaza, espreme-se 1,77 milhão de palestinos. Nos 5.860 quilômetros quadrados da Cisjordânia (incluindo Jerusalém Oriental, com 184 mil habitantes), vivem 2,38 milhões de palestinos e 187 mil colonos judeus em 244 assentamentos. Jerusalém Oriental tem outros 177 mil colonos, em 29 assentamentos.
Para além dos números, a desocupação é um tema “de enorme significado simbólico, traumático e divisivo”, define o psicólogo Ilan Yaniv, estudioso do assunto. Para Yaniv, ao aceitar a desocupação, a maioria dos israelenses deixa de encarar seu país como um “lugar de refúgio”, com fronteiras indefinidas. .” “Expandir o território se tornou menos relevante”, analisa o psicólogo. “É uma mudança de identidade.”
“Antes, assentamentos e segurança eram quase sinônimos”, recorda Yaniv. “Só depois se percebeu que, na verdade, eles criam problemas.” O psicólogo concorda, no entanto, que essa percepção pode mudar novamente, se o “caos” na Faixa de Gaza, mencionado por Hazan, se concretizar. “Sobretudo perto das grandes cidades israelenses, isso afetaria o volume de concessões territoriais na Cisjordânia.”
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