Vestido com roupas velhas, um kefieh vermelho e sandálias de plástico, que somente os árabes calçam, Yoram Binur se dirigiu ao chamado mercado de escravos de Jafa, ao sul de Tel-Aviv, onde os palestinos se sentam todas as manhãs à espera de trabalho.
Num bolso, o passaporte jordaniano falsificado. No outro, a carteira de israelense.
Assim começou a aventura de Binur, relatada no livro Meu Inimigo Sou Eu, que acaba de ser publicado no Brasil pela Scritta Editorial. O livro, publicado no mundo inteiro, permanece inédito em hebraico e árabe: suas revelações não passam pela censura militar.
Contratado por um restaurante para fazer o “trabalho sujo”, Binur recebia 15 shekels (US$ 10) para trabalhar do meio-dia às 4 horas. Dormia no chão junto com outros palestinos num quarto dos fundos, ao abrigo das patrulhas militares – a permanência de palestinos à noite em Tel-Aviv é ilegal. Lá, Binur começou a entrar em contato com o universo dos palestinos, com suas diversas simpatias políticas no interior do movimento nacionalista e com o ódio profundo aos judeus.
Binur pôde sobretudo ouvir observações como a de uma judia iemenita, dona de um bar onde ele trabalhou, e que segredou a um amigo: “Esse árabe, melhorando um pouquinho, poderia ser um judeu.” Andando por lugares onde árabes não devemestar, o jornalista acabou espancado pela polícia durante uma manifestação do grupo judaico de extrema direita Gush Emunim, que defende atos de terrorismo contra líderes palestinos.
No campo de refugiados de Jebalya, a sudoeste de Gaza, Binur descreve o sentimento de terror provocado pelas patrulhas do Exército de ocupação, uma das quais parou por alguns instantes na porta da casa em que se hospedava. Foi lá também que se surpreendeu com os palestinos.
Durante uma acalorada discussão política, um jovem de 17 anos defendeu o acordo de paz de 1979 entre Israel e Egito (execrado pela maioria dos palestinos) e os prefeitos árabes moderados, indicados por Israel. Ao contrário do que Binur esperava, o jovem foi atacado apenas com argumentos contrários aos seus.
Publicado no Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.