O pedido de desculpas do primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, ao seu colega turco, Recep Tayyip Erdogan, foi o resultado mais importante da viagem de três dias do presidente Barack Obama ao Oriente Médio. O fato de Netanyahu ter finalmente atendido o pedido do presidente americano – reiterado várias vezes desde o ataque à força-tarefa naval turca, que matou nove pessoas, em junho de 2010 – somente no aeroporto de Tel-Aviv, minutos antes da partida de Obama, dá uma medida do tamanho de sua resistência. E do preço que o visitante pagou pelo gesto: o primeiro-ministro queria ter certeza de que Obama se manteria dentro do script até o fim.
Mas o descongelamento das relações entre seus dois principais aliados no Oriente Médio representa de fato um ganho importante para os Estados Unidos, no contexto das duas ameaças mais iminentes aos seus interesses na região: o programa nuclear iraniano e a guerra civil na Síria. Historicamente, Israel e os governos seculares da Turquia mantinham boas relações políticas, econômicas e militares.
A ascensão, em 2002, do Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP), de orientação islâmica moderada, trouxe um ruído a esse relacionamento, mas os interesses estratégicos dos dois países prevaleceram e a cooperação no campo da defesa e da inteligência permaneceu intacto. Israel continuou utilizando o espaço aéreo turco para seus exercícios e reconhecimento na franja dos territórios inimigos que o cercam. A eclosão da crise nuclear iraniana, em 2005, aproximou os dois países, diante da ameaça do rival regional comum.
Conforme ressalva Soli Özel, professor de relações internacionais da Universidade Bilgi de Istambul e editor da revista Foreign Policy em turco, os interesses turcos e israelenses não são totalmente convergentes em relação ao Irã: “Ambos não querem que os iranianos obtenham armas nucleares, mas a abordagem do problema é radicalmente diferente”, disse ele ao Estado, referindo-se à tentativa de Erdogan e do então presidente Luís Inácio Lula da Silva de intermediar as negociações em 2010, cujos termos foram aceitos pelo Irã e rejeitados pelos Estados Unidos e seus aliados. “Mas já há uma experiência de cooperação, e há um terreno comum.”
Não fosse o incidente com a força-tarefa, o conflito sírio, deflagrado em março de 2012, teria representado mais um fator de atração. A violenta repressão desencadeada pelo presidente Bashar Assad, a entrada de milhares de refugiados sírios na Turquia e a desestabilização de seu flanco sul levaram Erdogan a romper relações com seu parceiro árabe, por sua vez inimigo de Israel. Os interesses mútuos de manter as fronteiras seguras e de influir no desfecho do conflito sírio teriam sido poderosos motivos de cooperação.
O incidente da força-tarefa, no qual a Turquia tentou furar o bloqueio naval israelense levando ajuda aos moradores da Faixa de Gaza, não foi algo gratuito. “Erdogan é muito sensível com a questão palestina”, recordou ao Estado o cientista político turco Sahin Alpay, da Universidade Bahcesehir, de Istambul. Alpay observou que, ao aceitar o pedido de desculpas, Erdogan sublinhou o apoio turco a “todas iniciativas internacionais e regionais que ajudem a alcançar uma solução permanente e ampla para o conflito israelense-palestino, na base dos dois Estados”. O analista prevê que “Ancara pode querer tirar vantagem do isolamento diplomático de Israel para pressionar por essa solução”. O feito elevaria a projeção da Turquia no mundo árabe, na qual o país, herdeiro do antigo Império Otomano, vem trabalhando intensamente desde o início da Primavera Árabe, em 2011.
Os dois campos de interesses – a contenção do Irã e da Síria, de um lado, e a questão árabe-israelense, de outro – não são incompatíveis. Ao contrário. É possível que o singelo telefonema de meia hora de Netanyahu a Erdogan destrave um espectro amplo de dinâmicas no Oriente Médio.
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