Peres propõe cantões para os palestinos

Para o principal líder da oposição israelense, os palestinos já têm um Estado: a Jordânia

O principal líder da oposição em Israel, o trabalhista Shimon Peres, defendeu ontem a criação de uma “confederação palestino-jordaniana”, integrada por “partes” dos territórios árabes da Cisjordânia e Faixa de Gaza, ocupados desde 1967. Em entrevista ao Estado, Peres, que esteve ontem em São Paulo, disse que os palestinos não têm alternativa a não ser aceitar o plano por ele defendido, que prevê um período intermediário de autonomia nos territórios, durante três anos.

Peres é presidente do Partido Trabalhista, do qual foi um dos fundadores. Foi eleito vice-presidente da Internacional Socialista em 1978. Peres, de 68 anos, foi primeiro-ministro de Israel entre 1984 e 1986, quando se tornou ministro das Relações Exteriores, cargo que ocupou até 1988.

Estado – Na reunião que manteve com o sr. em Genebra, na semana passada, o secretário de Estado James Baker lhe informou sobre algum progresso nas negociações?

Shimon Peres – Ele me disse que há muitas portas abertas. Mas há também muitos obstáculos.

Estado – Quais os principais?

Peres – Em primeiro lugar, a questão da representação dos palestinos: como seria formada a delegação palestina. Além disso, se a conferência deve ser regional ou internacional. Está em questão o caráter das negociações, se Israel deve discutir em separado com os países árabes e com os palestinos, ou se elas devem ser simultâneas.

Estado – A questão da representação dos palestinos foi anunciada como uma das causas da ruptura da coalizão entre o Likud e o Partido Trabalhista em março do ano passado. Como seu partido acha que os palestinos devem ser representados?

Peres – Por uma delegação formada por palestinos eleitos nos territórios ocupados e da Jordânia.

Estado – Por que não a Organização de Libertação da Palestina (OLP)?

Peres – Porque é uma organização terrorista. Além disso, não se trata de uma liderança eleita democraticamente.

Estado – Eles alegam escolher sua direção por meio do Conselho Nacional Palestino, eleito por palestinos.

Peres – Nunca houve eleições para esse conselho. Enquanto a OLP continuar com suas ações terroristas, não haverá negociações com ela.

Estado – Que garantias pode Israel oferecer aos palestinos para que eles aceitem interromper a intifada (levante popular) e esperar pela autonomia nos territórios ocupados?

Peres – Propomos um plano que prevê autonomia durante três anos. Passado esse período, novas negociações estabeleceriam o futuro dos territórios, que podem se tornar uma confederação palestino-jordaniana.

Estado – O sr. aceita a tese de um Estado palestino?

Peres – É uma hipótese. Entretanto, acho que os palestinos não precisam de um Estado: eles ja têm um, do outro lado do Rio Jordão.

Estado – Os territórios palestinos seriam então incorporados à Jordânia?

Peres – Sim, em forma de uma confederação. Partes da Faixa de Gaza e da Cisjordânia se tornariam cantões, como na Suíça, governados pelos palestinos. Digo “partes” desses territórios, porque não são só os israelenses que têm que fazer concessões territoriais. Os palestinos também terão de fazer as suas.

Estado – Haveria um corredor ligando a Cisjordânia à Faixa de Gaza, e partindo Israel ao meio?

Peres – Não há necessidade de corredor, porque serão tempos de paz. Corredor é para estado de guerra.

Estado – O avanço da colonização judaica nos territórios árabes ocupados é outro obstáculo às negociações?

Peres – Muitos árabes vivem sob governos não-árabes espalhados pelo mundo. Por que alguns judeus também não poderiam viver sob um governo árabe?

Estado – E as Colinas do Golan, Jerusalém Oriental e o sul do Líbano?

Peres – Precisamos ir por partes. Vamos resolver primeiro o problema da Cisjordânia e Faixa de Gaza. Mas posso lhe dizer que Jerusalém sempre foi a capital dos judeus, e o sul do Líbano não é um território ocupado.

Estado – O sr. acha que as Colinas do Golan ainda desempenham um papel estratégico? Os mísseis iraquianos não mostraram que território não é fator de defesa?

Peres – Mísseis não são tudo numa guerra. Uma guerra se faz também com tanques. E nesse sentido o controle de territórios é militarmente importante.

Estado – O motivo da ocupação israelense no sul do Líbano não é a água do Rio Litani?

Peres – Não. Nós nunca tiramos água daquele rio, embora tenhamos acesso a ele. Os soldados israelenses na área defendem o país dos ataques palestinos.

Estado – Qual a diferença entre o Likud e o Partido Trabalhista?

Peres – O Partido Trabalhista está comprometido com a paz. O Likud não está. Acho realmente difícil que o processo de paz avance sob esse governo.

Estado – Os trabalhistas governaram da fundação de Israel, em 1948, até 1977. Durante esse período houve três guerras e nenhum acordo de paz.

Peres – Não é verdade. Durante a década de 70 o governo trabalhista promoveu intensas negociações. O acordo de Camp David (entre Egito e Israel, em 1979)foi um resultado dessas gestões.

Estado – Quais as chances dos trabalhistas nas próximas eleições parlamentares?

Peres – Não tenho dúvidas de que ganharemos as eleições, como ganhamos as últimas: o Partido Trabalhista tem 56 deputados no Parlamento, enquanto o Likud tem apenas 47. (Nenhum dos dois possui maioria, e o Likud se compôs com outros partidos para formar o governo.)

Estado – Seu partido poderá voltlar ao governo a curto prazo?

Peres – Nós saimos do governo porque ele não está comprometido com o processo de paz. Nosso retorno está vinculado ao processo de paz. Quando o Likud demonstrar um compromisso verdadeiro pela paz, terá nosso apoio. Trata-se de uma questão de princípio: é preferível estar do lado da paz e fora do governo, do que no governo e contra a paz.

Estado – No início do ano passado, seu partido quase obteve uma coalizão com pequenos partidos relligiosos. O sr. acha que o obstáculo à paz está no Likud, e não nesses partidos?

Peres – Sim. A intransigência parte do Likud. Os pequenos partidos estão mais preocupados com questões religiosas. Não há um rabino sequer em Israel que não queira um acordo de paz com os palestinos. Eles consideram que, se a terra é santa, a vida é mais ainda.

Estado – No início da intifada, há três anos, o então ministro da Defesa, o trabalhista Yitzhak Rabin, defendeu a repressão ao movimento. Qual a atual posição de seu partido sobre a intifada?

Peres – O que Rabin disse na época foi que era melhor atirar nos militantes para ferir do que para matar. O que nós achamos hoje é que é impossivel vencer a intifada militarmente. É preciso vencê-la politicamente. É preciso negociar com os palestinos.

Estado – O sr. acha que os palestinos estão dispostos a aceitar os termos de negociação que o sr. defende?

Peres – Eles não têm alternativa.

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