É o que afirma ex-colono ultra-ortodoxo forçado a deixar a Faixa de Gaza
JERUSALÉM – David Hoffman nasceu em Boston, 58 anos atrás, numa família de judeus ortodoxos de origem russa. Aos cinco anos de idade, mudou-se com os pais para Phoenix, Arizona, onde cresceu, fez um curso universitário de humanidades e artes, e tornou-se um construtor de mikvas, os cubículos com uma espécie de banheira que os judeus ortodoxos utilizam para lavar alimentos não preparados por judeus ou para se purificarem, imergindo na água, quando por exemplo termina a menstruação de uma mulher e ela vai ter relações sexuais com o marido.
Em 1993, Hoffman, então um solteiro de 46 anos, veio a Israel como turista. Sentiu-se bem no país e resolveu ficar, fazendo o alia (elevação), a nacionalização concedida pelo governo israelense, com base no “direito de nascimento” dos judeus. “Apresentei a katuba (certidão de casamento) dos meus pais e saí do escritório como nacional israelense”, recorda Hoffman, que reconhece que o seu hebraico não é dos melhores: “Quando me ouvem em hebraico, todos pedem para eu falar em inglês.”
Hoffman contatou então a organização Gush Emunim (Bloco dos Fiéis), que se encarrega de instalar imigrantes, e disse a eles que qualquer lugar servia. “Qualquer lugar?”, perguntaram. Ele confirmou. Mandaram-no para Gush Katif (Cinturão da Colheita), assentamento judaico cercado por palestinos no formigueiro humano da Faixa de Gaza. Lá, Hoffman continuou fazendo o que sabia, instalando mikvas, em todo o país, para uma empresa com sede no assentamento.
Ele não gosta dessa palavra, no entanto: “Assentamento dá idéia de que foi feito ontem. Gush Katif foi fundado há 34 anos.” A localidade onde ele morava, Naveida Kalim, com 3.500 moradores, tinha tudo o que tem um vilarejo: três lojas de roupas, uma de sapatos, duas pizzarias, padarias, um corretor de seguros, uma agência dos correios e outra de banco. No total, Gush Katif tinha 8.500 habitantes, distribuídos por 21 colônias.
No início, Hoffman morou num trailer de 44 metros quadrados. Em 2001, comprou uma casa de tijolos construída pelo governo. Não demorou muito, e começaram os ataques com foguetes kassam, um artefato caseiro do tamanho de uma a duas garrafas de vinho, que os palestinos lançavam contra o assentamento. Hoffman conta que, em três anos, foram 5 mil foguetes. Em Naveida Kalim, uma moça foi morta e muitas pessoas ficaram feridas, recorda Hoffman. “Os foguetes passavam por cima das nossas cabeças como pássaros. Com o tempo, nos acostumamos.”
Em agosto de 2004, Hoffman conheceu sua mulher, a canadense Ella, de 53 anos, que chegara um mês antes. Ella e o marido haviam decidido fazer alia. Ele morreu um mês antes da viagem, e ela seguiu adiante com os planos. Em janeiro de 2005, casou-se com Hoffman e se mudou para o assentamento.
Então veio a tragédia, do ponto de vista dos colonos. O primeiro-ministro Ariel Sharon resolveu desocupar a Faixa de Gaza. “Até o último instante, esperamos um milagre, não acreditamos que isso pudesse acontecer”, lembra Hoffman. “Sharon, um verdadeiro herói de guerra, que mandou construir minha casa, 12 anos antes, resolveu ir contra tudo o que fez ao longo de 30 anos.” As casas, a sinagoga, o cemitério com 41 corpos, tudo foi desmantelado em agosto. Hoffman e Ella foram alojados no Hotel Shalom, equivalente a um três estrelas, em Jerusalém, e aguardam uma moradia definitiva.
“Sharon não entendeu o significado de Israel, que é o de que nunca mais os judeus seriam expulsos de suas casas”, diz Hoffman, que ouviu falar que o primeiro-ministro pode não ser judeu: sua mãe, russa, se teria convertido ao judaísmo, talvez depois de dar a luz a ele. “Sharon achou que podia redesenhar as fronteiras de Israel, que foram determinadas por Deus”, interpreta Hoffman. “Então, Deus disse: basta.” E Sharon foi castigado, explica o ex-colono, referindo-se ao derrame sofrido pelo primeiro-ministro.
À pergunta sobre se não é igualmente injusto que os árabes tenham sido expulsos de suas casas pela ocupação de Israel, Hoffman responde que não: “Este não é o país deles. Deus fez Israel para os israelenses, assim como fez o Brasil para os brasileiros. Eles devem voltar para os países de onde vêm sua religião, seus costumes, suas músicas. Não quero que os árabes morram, só quero que vão embora.”
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