Perplexos com o conflito entre Hamas e Fatah, palestinos dizem que a luta deveria ser contra a ocupação israelense
RAMALLAH – A violenta ofensiva do Hamas contra o Fatah, que matou mais de cem pessoas na Faixa de Gaza em uma semana, deixou os palestinos comuns perplexos. Submetidos ao que sentem como a ‘opressão’ da ocupação israelense, a visão de palestinos armados se matando entre si agravou enormemente o seu sentimento de vazio, de falta de esperança e de sentido. De estar lutando por nada.
‘Não temos nossa própria terra ainda para podermos brigar entre nós por ela’, recordou Abd Kader Khatib, de 60 anos, em sua loja de tapetes na Al-Manara (O Farol), a praça central de Ramallah. ‘O que estão disputando? Cargos? Dinheiro?’, indignou-se o comerciante. ‘Somos um povo oprimido sob ocupação. Somos refugiados. Estamos todos no mesmo buraco. Não existem Fatah e Hamas. O que existe é o povo palestino. Essa luta interna é inaceitável.’
‘Foi algo inteiramente inesperado’, descreveu Hazem Barghuti, de 35 anos, que trabalha com computação no Ministério do Trabalho. ‘Onde estão nossa consciência, nossas reivindicações, nossa força de vontade? O interesse palestino deveria estar acima de interesses particulares’, censurou Barghuti. ‘O que o Hamas fez é inaceitável. Se querem falar de mudanças, de reformas, devem lidar com as lideranças, não atacar o povo.’
À objeção de que o Hamas alegou estar se defendendo do Fatah, que estava aumentando seu poderio militar com ajuda americana, Barghuti retrucou: ‘O Fatah é zero se comparado com o Hamas nesse aspecto. Eles conseguiram ocupar os quartéis-generais em cinco minutos. O Hamas é que tem essa força, é apoiado tanto pelo Irã quanto pelos EUA’, completou ele, argumentando que o grupo fundamentalista tem morteiros e granadas propelidas por foguetes. ‘Não vejo isso no Fatah.’
De maneira geral, no entanto, os palestinos nas ruas olham para as duas facções com o mesmo desapontamento. ‘Os únicos que estão realmente felizes com tudo isso são os israelenses’, observou Bisan, uma estudante de arte de 21 anos, que caminhava com seus pais e irmão pela rua principal de Ramallah, com um véu azul na cabeça. ‘É muito triste. Desde as eleições (de janeiro de 2005), parecia que as coisas estavam mudando. Não é o caso.’
‘Estou totalmente frustrada, surpresa e chocada’, desabafou Ruba, de 25 anos, gerente administrativa e financeira de uma empresa em Ramallah. ‘Toda vez prometem que as coisas vão melhorar, que haverá diálogo, cessar-fogo’, enumerou a moça, com trajes ocidentais e a chave do carro numa mão. ‘Mas talvez não haja solução, porque nenhuma das partes está interessada.’
Na manhã de sol, o comandante Ramadan Sharkawi, relações públicas da Polícia da Cisjordânia, olhava para a praça Al-Manara com uma expressão de incredulidade e um copo de café descartável numa mão. ‘Para ser franco, estamos muito confusos’, começou ele. ‘Vamos ter um governo amaldiçoado em Gaza e um governo aprovado pela comunidade internacional na Cisjordânia?’, perguntou. ‘Como vamos impor uma lei marcial em Gaza, se não temos força militar? Vamos pedir ajuda aos marines? É loucura.’ Sharkawi prosseguiu: ‘Tanto o Fatah quanto o Hamas são legítimos. Ambos foram eleitos.Não temos nem autoridade, e vamos ter dois chefes de governo para 3 milhões de pessoas sob ocupação.’
Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.