Jovens jordanianos morreram num bombardeio quando voltavam da faculdade
IRBID, Jordânia – Ayeman Bataineh tem um recado para as mães americanas: “Tirem seus filhos da guerra antes que eles morram, como o meu.” Sufian, de 21 anos, foi um dos quatro estudantes jordanianos mortos, junto com um motorista iraquiano, num bombardeio da coalizão perto de Mosul, no norte do Iraque, no dia 21. Um longo cortejo fúnebre acompanhou ontem à tarde o corpo de Sufian para um cemitério em Irbid, sua terra natal, 84 quilômetros ao norte de Amã, capital da Jordânia.
Sufian e seus três colegas, Abdullah, Ahmad e Emran – enterrados ontem de manhã em Irbid – sabiam que os ataques da coalizão iam começar. Mas não quiseram ir embora antes de se certificar de suas notas de fim do ano letivo. O passaporte de Sufian mostra que ele obteve permissão para sair do Iraque no dia 20, dois dias depois do início dos bombardeios.
Na manhã do dia seguinte – dia das mães na Jordânia -, os rapazes partiram de volta para casa. Por volta de 10h, seu carro foi atingido.
“Ele era um dos melhores alunos”, orgulha-se Ayeman, de 44 anos. “O hobby dele era estudar”, confirma Mohamed, de 17, agora o mais velho entre os três fi lhos homens. Há outras três meninas, a mais velha com 18 anos. Sufian tinha concluído o terceiro ano do curso de geografia.
Faltava-lhe apenas um para se formar. Os quatro rapazes estavam entre os mais de 2 mil jordanianos que foram fazer faculdade no Iraque, para usufruir do estudo gratuito oferecido pelo governo de Saddam Hussein a todos os jovens árabes. Segundo o governo jordaniano, 2.259 estudantes voltaram ao país desde o dia 16.
A dor dos pais e irmãos de Sufian não os faz odiar as pessoas comuns dos Estados Unidos. “Os americanos são amigos dos árabes”, faz questão de explicar o pai, Fayiz. O mesmo não se aplica ao presidente dos EUA. “Não temos nada contra os americanos, mas contra o terrorista Bush”, diz Ayeman.
Fayiz o compara ao primeiro-ministro de Israel: “Bush é como (Ariel) Sharon, ele odeia os árabes.” Sargento aposentado, Fayiz, de 48 anos, tem sede de vingança: “Quero a cabeça de Bush pela morte do meu filho”, diz o pai do rapaz morto, sentado ao lado da mulher e filhos no chão do cômodo maior de sua casa, onde acolheram, da melhor maneira que puderam, um punhado de jornalistas estrangeiros que vieram para o enterro dos estudantes, trazidos do Iraque na quarta-feira num avião da Força Aérea Jordaniana.
“Eles eram estudantes, não tinham nada a ver com a guerra”, revolta-se Mohamed. “Os americanos são legais, mas Bush é a cabeça da serpente.” Mohamed está no colégio e ainda não escolheu uma profissão. “Quero ser piloto militar, para matar Bush”, diz ele, depois de uma pausa.
Os jordanianos sabiam que seriam afetados pelo conflito no Iraque – mas talvez não de forma tão direta. A primeira morte de que se teve notícia com os ataques da coalizão foi a de um motorista jordaniano, atingido por um bombardeio quando voltava no dia 18 de Bagdá para Amã.
As mortes aguçam o sentimento de revolta contra a guerra – traduzido, em alguns casos, na forma de apoio a Saddam, cujas atrocidades não são segredo na Jordânia, país que abriga cerca de 250 mil refugiados e exilados iraquianos.
No longo cortejo fúnebre que levou o caixão de Sufian, enrolado na bandeira jordaniana, jovens nas carrocerias de camionetes ou saindo pelas janelas dos carros gritavam slogans como “Saddam, sacrificamos nossas almas e sangue por você” e “Não abandonaremos Saddam nem o Iraque”. Algumas crianças nas calçadas repetiam, empolgados com a agitação que tomou conta da cidade de 1 milhão de habitantes.
Também havia palavrões para Bush e uma mensagem para o primeiro-ministro britânico: “(Tony) Blair, capacho, vamos esmagá-lo com nossos sapatos.” Um homem numa camionete levava dois pôsteres, um com a foto de Saddam, de chapéu, disparando uma espingarda, e outra do rei Abdullah 2.º.
É improvável que o monarca da Jordânia – que abriga tropas americanas sob o pretexto de operar as baterias antimísseis Patriot na fronteira com o Iraque – se animasse com a incômoda companhia. Abdullah se esforça em manter a Jordânia sobre o fio da navalha da aparência de neutralidade e da solidariedade pelo drama iraquiano. A geografia e os acontecimentos teimam em empurrá-lo para definições que ele não pode fazer.
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