Segundo pesquisa, maioria crê que EUA só estão interessados no petróleo iraquiano
AMÃ – Sensibilizados pela morte e destruição que aguardam seus vizinhos no Iraque, os jordanianos se vêem diante de uma escolha de Sofia. A maioria conhece de perto as atrocidades que Saddam Hussein comete em seu país, pelos relatos de 250 mil iraquianos exilados na Jordânia, e sofre na carne os efeitos da instabilidade que suas atitudes têm causado na região, mas, por outro lado, rejeita a intervenção americana e os horrores da guerra.
“De um lado, as pessoas não querem a guerra; de outro, não gostam de Saddam”, define Mustafa Hamarneh, diretor do Centro de Estudos Estratégicos da Universidade da Jordânia, que realizou uma pesquisa de opinião sobre a perspectiva de guerra no Iraque. De acordo com a pesquisa, 83% dos jordanianos acham que o interesse dos EUA nessa guerra é o petróleo, enquanto 61% não acreditam no argumento americano de que o motivo sejam as armas de destruição em massa.
“Os jordanianos têm sentimentos muito calorosos para com o povo iraquiano, porque o inimigo está em Israel e na América”, diz o imã (guia espiritual) Abu Abdel ar-Rahman, depois de conduzir a pregação da sexta-feira na mesquita de Heraa, num bairro de classe média alta de Amã. “A América e Israel têm matado as pessoas no Iraque, na Palestina, na Jordânia e noutros países árabes.”
“Isso é coisa dos sionistas bastardos, que dominam os Estados Unidos”, identifica Issam, de 66 anos, um engenheiro aposentado formado na Alemanha. “Não permitiremos que eles nos governem. Deus é mais forte que a América”, completa Issam, de volta da oração de meio-dia, com uma túnica marrom e um keffieh vermelho e branco na cabeça.
O imã Ar-Rahman admite que esse tem sido um dos temas principais das pregações nas mesquisas. Segundo ele, o recurso à jihad, o dever de todos os muçulmanos de defenderem o Islã de ameaças externas, dependerá dos desdobramentos da guerra. “Se os soldados americanos forem embora depois de derrubar Saddam e deixarem um novo governo iraquiano assumir, não haverá jihad”, diz ele. “Mas, se os americanos ficarem, todos os muçulmanos terão de combatê-los. Vamos esperar, mas não por muito tempo.”
Grupos religiosos mais radicais, que participaram da manifestação de sábado em Amã, convocam para a jihad imediatamente. Sentado num banco no corredor que leva da mesquita a sua pequena casa, nos fundos, com uma túnica cinza e barba, Ar-Rahman explicou que tanto o governo americano quanto o iraquiano são maus. “Mas, se os americanos quiserem apenas mudar o regime iraquiano, não haverá problema.” Entre Saddam e George W. Bush, a balança tende a pender para o ditador iraquiano. “Saddam não é um símbolo para nosso país, não é nosso herói, mas, neste momento, porque ele está enfrentando os americanos, ganha o apoio de todos os árabes”, diz Issam.
“Saddam é um grande líder, um homem forte e autoconfiante”, admira Walid al-Ledawi, de 19 anos, morador do bairro de classe média baixa de Jabal al-Kalah, reduto de imigrantes palestinos. E as denúncias de atrocidades por ele cometidas contra os iraquianos? “Não sabemos, porque não vivemos no Iraque”, responde Walid, estudante de jornalismo na Universidade Al-Yarmouk.
“Às vezes, gosto de Saddam, às vezes, não”, sorri o guia turístico Ibrahim al-Wahash, de 35 anos. “Gosto dele quando ele irrita os americanos. Não gosto dele quando ele destrói a região, mas acho melhor que fique como está do que sob o controle americano.”
Al-Wahash foi atingido em cheio pela crise iraquiana. Os turistas desapareceram da Jordânia. Ele conta que, até dois meses atrás, mais de 300 pessoas visitavam as ruínas da cidadela romana de Filadelifia, com suas colunas e pórticos de 3 mil anos, no topo de uma das sete colinas que formam a velha Amã. Hoje, aparecem de 10 a 15 pessoas por dia.
Ahmed Abdullah, de 21 anos, teve o início de carreira abortado pela crise. Depois de completar o segundo grau e fazer dois anos de estágio no Hotel Intercontinental, ele trabalhou apenas dois meses no Marriott, antes de ser incluído num corte de 150 dos 450 funcionários. A não ser pelos 400 jornalistas estrangeiros que vieram cobrir a crise, os hotéis de Amã estão praticamente às moscas.
Ahmed não vê sentido na crise que o levou a perder o emprego. “O Iraque fez tudo o que os EUA mandaram, mas eles querem ir para a guerra de qualquer jeito”, observa. “Bush disse que depois fará algo pela Palestina, mas não acredito nele”, intervém Ayoub, pai de Ahmed, nascido em Jerusalém. “O problema palestino tem 50 anos e essa gente nunca se preocupou com ele.” É um sentimento generalizado entre os 5,3 milhões de habitantes da Jordânia, dos quais 65%, de origem palestina.
Prensada entre Israel e o Iraque, a Jordânia, com baterias de mísseis antiaéreos americanos Patriot dos dois lados, para proteger jordanianos e israelenses de eventuais ataques iraquianos, é o país que mais se ressente dos dois conflitos simultâneos. “Estamos no meio do Oriente Médio”, define Al-Wahash, kuwaitiano de origem beduína cujo pai nasceu em Belém.
Desde que assumiu o trono, em fevereiro de 1999, o rei Abdullah II não teve tempo de respirar: primeiro veio a segunda edição da intifada, o levante palestino nos territórios ocupados, e agora a escalada no Golfo Pérsico. Principal entreposto comercial para o Iraque, a Jordânia sofreu forte desaceleração de sua economia, com a evolução do conflito e os efeitos do embargo econômico contra o Iraque.
Há forte ociosidade e descontentamento entre os comerciantes e transportadores do sul, que abastecem o Iraque com mercadorias desembarcadas no Porto de Ácaba. A crise econômica tem conseqüências políticas. No ano passado, houve quatro “intifadas” (levantes), como os jordanianos as chamam – manifestações de militantes armados seguidas de choques com a polícia e o Exército – no sul do país.
Mais de 70 pessoas foram presas e o rei chamou os manifestantes de “harej na al-kanun”, fora-da-lei. Os líderes das tribos do sul, tradicionalmente leais à monarquia, não gostaram.
Se a guerra parece inevitável, os jordanianos só torcem para que ela seja rápida e seguida de alguma estabilidade no Iraque. Afinal, como diz o estudante de segundo grau Zaid Asfour, de 18 anos: “Não estamos precisando de mais conflitos.”
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