Mas alguns também fazem questão de ressaltar sua oposição aos EUA
AMÃ – Na tarde fria do fim de inverno em Amã, dezenas de homens se aglomeram em frente a um terminal de ônibus da capital jordaniana. Ao contrário do simples bigode, comumente usado pelos árabes, a maioria ostenta barba, ainda que aparada. São xiitas iraquianos, aguardando os ônibus que os levarão para o santuário de Al-Karakh, no sul da Jordânia, para lembrar o aniversário da morte do califa Hussein, cujo tio, Jaafar bin Abi Taaleb, está enterrado lá.
De seu exílio no país vizinho, os xiitas olham para a guerra iminente com uma mistura de sentimentos. “É claro que estou preocupado com minha família, que ficou no Iraque”, diz Hussein al-Hakim, de 28 anos, há dois em Amã. “Mas acredito muito que Deus queira que no futuro a situação do Iraque vá melhorar muito, se deixarem o povo escolher um novo presidente.” Segundo Al-Hakim, todos os iraquianos têm sofrido com o regime de Saddam Hussein e com o embargo econômico, mas os xiitas têm sido as maiores vítimas.
Hisham Ali diz que fez História na Universidade de Bagdá e estava cursando o mestrado, cinco anos atrás, quando seu pai e seu irmão foram executados pelo regime, acusados de serem militantes fundamentalistas xiitas. Ali fugiu para a Jordânia, sem documentos. Aos 35 anos, sobrevive como alfaiate em Amã. “Se houver guerra, claro que muitas pessoas morrerão, mas qualquer coisa é melhor do que Saddam”, diz ele.
Enquanto transcorrem as conversas, alguns xiitas vão buscar uma faixa preta, que estendem para mostrar para o repórter. A faixa diz que Hussein, o califa venerado pelos xiitas, está em suas mentes e corações, e que seu caminho é o aiatolá Mohammed Saadek al-Sadr. Segundo eles, Al-Sadr, um imã (guia espiritual), foi assassinado com os dois filhos, a mando de Saddam, quando saía de uma mesquita em Dicar, no Iraque, em 1999.
“Todos os dias, xiitas são tirados de suas casas e executados”, afirma Ali. “Os xiitas são os únicos que podem lutar contra Saddam”, vangloria-se Abdul Mustapha al-Ibadi, de 27 anos, há dois em Amã. Al-Ibadi, no entanto, recusa a idéia de juntar-se aos americanos para derrubar o presidente iraquiano. “Se o Iraque for invadido, vou voltar para defender meu país”, promete Saadi al-Kaabi, de 33 anos, que diz ser sustentado pelo irmão, que manda dinheiro dos Emirados Árabes Unidos.
Os árabes xiitas representam cerca de 60% dos 23 milhões de iraquianos e os sunitas, 17%. Mesmo assim, os sunitas têm dominado o país politicamente pelo menos desde o surgimento do Iraque moderno, em 1920. Depois da Guerra do Golfo, em 1991, uma resolução do Conselho de Segurança da ONU estabeleceu zonas de exclusão aérea no sul do Iraque, onde se concentram os xiitas, e no norte, onde está a etnia curda (20% da população), para protegê-los de eventuais represálias do regime.
Segundo cifras oficiais, 1 milhão de iraquianos vivem na Jordânia, mas a estimativa é a de que o número real seja o dobro disso. Já há bairros inteiros de iraquianos em várias cidades do país. É comum encontrar engenheiros, advogados e outros profissionais liberais no centro de Amã trabalhando como camelôs, sapateiros, etc, ou oferecendo seus serviços de jardineiros e faxineiros.
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