17 aparatos de segurança fazem a repressão

Associação no Líbano reúne histórias de famílias de 575 presos e desaparecidos na Síria

BEIRUTE – Ahmed Bashasha vinha num lotação de casa, em Barja Chuf, 35 km ao sul, para o trabalho, numa fábrica de bolsas em Beirute. Em Khaldi, perto do aeroporto, foram parados num posto de controle do Exército sírio, que havia pouco tempo ocupava o Líbano. Os soldados levaram Bashasha, um rapaz de 18 anos, que sustentava a família depois que o pai e o irmão mais velho morreram, e não tinha nenhuma atividade política, segundo sua irmã, Majida. Isso foi em 1976. Bashasha nunca mais foi visto.

Sua mãe viajou para a Síria à procura do filho. Encontrou seu nome no livro de registros na prisão de Mazze. Majida conta que funcionários da prisão receberam dinheiro de sua mãe, em troca de informações sobre Bashasha, mas não cumpriram o lado deles do trato. Sua mãe morreu em 1990, sem saber o que aconteceu com o filho. Antes de morrer, pediu que a filha continuasse procurando o irmão. Hoje com 56 anos, Majida é uma das parentes de presos políticos na Síria que acampam diariamente numa praça no centro de Beirute, atrás do edifício-sede regional das Nações Unidas.

A tenda pertence à organização não-governamental Apoio aos Libaneses em Detenção no Exílio (Solide, na sigla em inglês), fundada em abril de 2005, duas semanas antes da retirada das tropas sírias, que havia sido definida para até o fim daquele mês. De acordo com Ghazi Aad, de 52 anos, diretor da entidade, estão formalmente afiliadas a ela as famílias de 575 presos. Mas é impossível saber quantas pessoas realmente foram presas ou mortas desde o início da guerra civil, em 1975, e a ocupação síria, no ano seguinte. O relatório de uma primeira comissão do governo, criada em janeiro de 2000, falava em 17.415 desaparecidos.

Aad diz que há 17 aparatos de segurança na Síria, com nomes redundantes como Segurança do Estado, Segurança Política e Segurança Militar, além da Inteligência da Força Aérea, da Polícia Secreta e assim por diante. Ele conta o caso do poeta Faraj Bairakdar, que ficou preso 14 anos por uma dessas organizações. Quando foi solto, uma outra o prendeu. “Os diversos aparatos operam por conta própria e não trocam informações entre si”, sustenta Aad, que já esteve na Síria duas vezes, em 2002 e 2003, a primeira delas com 56 familiares de desaparecidos, pedindo informações sobre os presos políticos, sem sucesso.

Houve três levas de libertação de presos libaneses, contabiliza o diretor da ONG: na primeira foram 15, na segunda 54 – depois de as autoridades terem dito que só tinham mais 50 presos – e na terceira, 94. “Os relatos dos tratamentos que recebem lá são horríveis”, conta Aad. Eles diz que um relatório da Anistia Internacional publicado em 1987 elencou 38 métodos de tortura usados na Síria.

Dentre os mais famosos está a “cadeira alemã”, em que o preso é colocado no chão de barriga para baixo, seu tronco é amarrado ao respaldar da cadeira, os torturadores pisam sobre suas pernas e a cadeira é erguida junto com a pessoa, até ficar de pé, muitas vezes quebrando a coluna da vítima.

Todos esses presos ficam detidos sem acusação formal, diz Aad. E os sucessivos governos libaneses nunca pressionaram a Síria por informações sobre eles. “Querem estabelecer uma amnésia coletiva”, conclui Aad.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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