Depois de 25 anos no Brasil, Eddé aceitou convite para liderar bloco maronita; hoje é escoltado por 8 policiais
Em janeiro deste ano, depois do esvaziamento de sua vigília na frente do palácio do governo e do fracasso de uma greve geral, o Hezbollah e seus aliados convocaram os simpatizantes para bloquear as principais estradas do Líbano, em mais uma tentativa de derrubar o primeiro-ministro Fuad Siniora. Não deu certo. Se tivesse dado, provavelmente Carlos Eddé não estaria conversando com o repórter do Estado nessa tarde de terça-feira, num café da Rua Oscar Freire, em São Paulo.
De acordo com o jornal kuwaitiano Al-Seyassah, se o governo caísse, a oposição tinha planos de prender 26 políticos inimigos, de mandar 6 deles para a Síria e de dissolver alguns partidos. Eddé estava na lista dos 6 “VIPs” que iriam para Damasco, e seu Bloco Nacional, entre os que seriam dissolvidos. “Significa que sua mensagem está sendo bem recebida e você está começando a perturbar”, interpreta Eddé, com uma dúbia satisfação. Ele veio a São Paulo visitar as duas filhas e a mãe (brasileira, neta de libanês), além de conversar com figuras proeminentes da comunidade libanesa, para mobilizar seus “formadores de opinião” diante dos próximos meses, que, para ele, serão críticos.
Em São Paulo, o político, que representa o 14 de Março (ele os chama de “soberanistas”) em reuniões com figuras como a secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, mantém um “low profile”. Em Beirute, seus deslocamentos mobilizam oito policiais, veículos blindados e coordenação dos serviços de segurança.
Eddé, de 51 anos, que tem outros dois filhos em Beirute, resistiu enquanto pôde. No dia 21 de maio, ele correu para o local de um atentado a bomba – como sempre faz, para mostrar que os libaneses não se devem intimidar – , que deixou dez feridos na Rua Verdun, área elegante predominantemente sunita de Beirute.
Lá encontrou-se com o deputado sunita Walid Eido, anti-Síria como ele, que o censurou: “Carlos, você continua se deslocando sozinho? Você não está levando sua segurança a sério.” Eddé respondeu: “O que vão adiantar todos esses guarda-costas quando colocarem uma bomba no seu caminho?” Três semanas depois, Eido morria num atentado. Depois dessa, Eddé se rendeu às evidências e aceitou a proteção do governo.
Na verdade, Eddé não tem tido muito tempo para assimilar todas as mudanças de sua vida. Em 2000, depois de ter-se graduado em administração de empresas na Fundação Getúlio Vargas e feito mestrado em história e ciência política na Universidade Georgetown (em Washington), ele trabalhava no mercado financeiro em São Paulo quando recebeu um convite extravagante, para quem estava 25 anos fora do Líbano: voltar para dirigir o Bloco Nacional.
Seu pai, o libanês Pierre Eddé, ex-ministro das Finanças, e seu tio Raymond, jurista que escreveu a lei do sigilo bancário e presidiu a Associação de Bancos, foram contra. Mas Eddé não resistiu à chance de “realmente fazer uma diferença” em um de seus dois países, nem às “chantagens” de seu clã. Ademais, a política corre no sangue. Seu avô, Émile Eddé, foi um dos “pais fundadores” do Líbano, presidente e primeiro-ministro.
Na época, seu amigo de infância Gibran Tueni estava em Paris, protegendo-se de ameaças de morte, depois de ter escrito um editorial no jornal de sua família, An-Nahar, pedindo a retirada da Síria. “Você está louco? Você vai ser morto no Líbano”, desaconselhou o amigo. Mas foi Tueni que morreu num atentado a bomba, em dezembro de 2005.
“Hoje, uma atuação política firme pode evitar um retrocesso ou, pior ainda, a volta da guerra civil”, diz Eddé, justificando sua decisão de encarar os riscos da política libanesa. Para ele, a escolha que se coloca é entre um Líbano fundamentalista e sectário, dominado por um grupo filiado à doutrina da Revolução Iraniana; e o Líbano “liberal, tolerante e multiconfessional”, no qual ele viveu antes da guerra civil iniciada em 1975.
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