Bombardeios israelenses causaram danos da ordem de US$ 3,6 bilhões
BEIRUTE – Uma das particularidades dessa guerra é que ela destruiu um país que acabava de ser reconstruído e que vivia um boom imobiliário sem precedentes. Entre 1992, quando Rafic Hariri assumiu pela primeira vez a chefia do governo, e 2004, quando renunciou, foram investidos US$ 7,4 bilhões (para um PIB de US$ 22 bilhões) em infra-estrutura, escolas, hospitais e no setor produtivo. Os danos causados pelos bombardeios israelenses foram da ordem de US$ 3,6 bilhões. Numa conta simples, em um mês se demoliu metade do que se ergueu em 12 anos.
Somente no primeiro trimestre deste ano, o Grupo Solidere, criado por Hariri, vendeu US$ 1,1 bilhão em terrenos para construção. Outros três projetos em andamento somam investimentos de US$ 2,1 bilhões. A pergunta, agora, é se e quando os investidores voltarão ao Líbano.
Nabil Itani, presidente da Agência de Desenvolvimento do Investimento do Líbano, e Marwan Barakat, pesquisador-chefe do Banco Audi, estiveram ouvindo-os nos últimos dias, e obtiveram a mesma resposta: depende da implementação da Resolução 1701. Aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU há duas semanas, ela instituiu a trégua, determinou o desarmamento do Hezbollah, a mobilização do Exército libanês e de uma força de paz no Sul do Líbano, e a retirada israelense.
“Definitivamente, no curto prazo, a confiança do investidor está afetada”, admite Barakat, cujo banco é líder no Líbano em capital, carteiras de investimentos e crédito. “Durante esse período de implementação das medidas, a atitude dos investidores será de esperar para ver.” A previsão anterior de crescimento de 5% da economia caiu para 0% com a guerra. Exatamente o mesmo aconteceu no ano passado, por causa do assassinato de Hariri. A última vez em que o Líbano cresceu foi 2004: 6%.
Barakat aponta, no entanto, alguns indicadores positivos: os empréstimos (a juros baixos e prazos longos) oferecidos pelos países árabes já superam os US$ 3,6 bilhões de danos estimados da guerra. Graças aos investimentos e ao turismo antes da guerra, o primeiro semestre registrou superávit de US$ 2,6 bilhões no balanço de pagamentos. “O Solidere estava vendendo extraordinariamente bem, os hotéis e restaurantes estavam lotados”, recorda Barakat. “Isso tudo acabou.”
Durante a guerra, a taxa de juros manteve-se estável nos 7%, para uma inflação anual de 2%. A conversão de liras libanesas em dólares, no valor de US$ 2,4 bilhões, foi atenuada pela entrada de US$ 1 bilhão em ajuda vinda da Arábia Saudita e US$ 500 milhões do Kuwait, além do colchão de US$ 13 bilhões em reservas do Banco Central. A fuga de capitais foi de apenas 3,5% dos US$ 60 bilhões em depósitos.
“O sistema financeiro inspira confiança”, atesta Barakat. A condução da economia também: o BC é independente e seu presidente, Riad Salami, escolhido o melhor do mundo árabe pela revista Euromoney, foi reeleito em 2004 para o terceiro mandato de cinco anos.
Nabil Itani acrescenta fatores fixos que atraem os investidores: a proteção do sigilo bancário, que valeu ao Líbano a reputação de “Suíça do Oriente Médio”; o tratamento tributário igual para capital externo e interno; e, o mais importante, segundo o executivo do governo, a estabilidade jurídica. “O problema é a instabilidade política e a insegurança.”
Para o ano que vem, ainda que o crescimento não seja de dois dígitos, como prevê o ministro da Economia, Samir Haddad, será alto, acredita Barakat, precisamente por causa da guerra. “A demanda na construção civil impulsionará a economia, os gastos públicos e os empregos.” Antes da guerra, acrescenta o analista, o Líbano não tinha condições políticas de mandar o Exército para o Sul, como fez agora. “Isso ajuda a diminuir o risco político, tanto em relação à fronteira com Israel quanto à entrada de armas da Síria (para o Hezbollah).”
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