Um dos líderes da Revolução dos Cedros, Franjieh diz que, se continuar loteado pelo ‘clientelismo’ religioso, país não vai atrair investimentos para sua reconstrução
BEIRUTE – Ele foi um dos principais líderes da Revolução dos Cedros, que nasceu da indignação popular com o assassinato do ex-primeiro-ministro Rafic Hariri, e resultou na retirada das tropas sírias do Líbano, no ano passado. Aos 60 anos, o deputado Samir Franjieh, filho do herói da independência Hamid Franjieh e sobrinho do ex-presidente Suleiman Franjieh, é uma das figuras mais proeminentes do governo libanês, cotado para a presidência, nas eleições do ano que vem.
Em entrevista ao Estado, Franjieh admite que o sentimento popular de orgulho causado pela “vitória” do Hezbollah frente a Israel é “legítimo”, mas dará lugar a um questionamento sobre para que toda essa destruição. Para Franjieh, cristão maronita, formado em jornalismo na Universidade de Paris e em ciência política na Saint Joseph, de Beirute, a “escolha real” não é entre Israel e o Hezbollah, mas entre esses dois e o Estado libanês. Se o país quiser livrar-se dos conflitos armados recorrentes e atrair recursos para sua reconstrução, acha o deputado, terá de abandonar as divisões político-religiosas e o “clientelismo comunitário”.
Quem deve ser responsabilizado por essa guerra?
Há dois níveis de responsabilidade. No nível regional, foi a repercussão de um conflito – com o qual o Líbano não tem nada a ver – entre o Irã e a comunidade internacional acerca do dossiê nuclear. A questão estava chegando a um desfecho, e o Irã precisava enfrentar o problema. Acrescente-se o temor da Síria quanto à formação de um tribunal internacional para investigar o assassinato do ex-primeiro-ministro Rafic Hariri (em fevereiro de 2005). E há, no interior, o Hezbollah, que não podia não saber que a captura de dois soldados israelenses provocaria uma reação por parte de Israel.
O Hezbollah emerge politicamente mais forte dessa guerra?
Não. Acho que o Hezbollah vai ter um problema sério com sua própria comunidade. Porque o que aconteceu em certos lugares foi um crime organizado contra a comunidade xiita, intensamente castigada pelos bombardeios israelenses.
Mas o Hezbollah promete reconstruir suas casas e indenizá-los.
Sim, mas essa população não perdeu apenas suas casas, mas também seus meios de subsistência. Havia um setor econômico do artesanato florescente, que foi completamente destruído.
Mas nesse momento há um sentimento de que o Hezbollah é a única força de resistência capaz de enfrentar Israel.
Não há dúvida: essa foi a primeira guerra árabe-israelense na qual Israel enfrentou um inimigo que não pôde derrotar. Portanto, há um sentimento de orgulho legítimo. Se a escolha for limitada entre o Hezbollah e Israel, nenhum libanês hesitará em ficar contra Israel e a favor do Hezbollah. Mas a escolha real não é essa. É entre o Estado libanês, Hezbollah e Israel. Eu creio que a maioria dos libaneses é a favor do Estado libanês. Portanto, o sentimento de orgulho não vai durar eternamente. Depois da guerra, há uma questão que o Hezbollah não pode responder: por que essa destruição humana e econômica.
A coalizão de governo deve mudar?
Com a guerra, a reponsabilidade nacional do governo mudou completamente. O presidente (Émile Lahoud) está do lado dos sírios. Isso não pode continuar. É preciso eleger um presidente conforme a resolução 1554 (da ONU, que ordenou a retirada síria do Líbano, depois do assassinato de Hariri). O Estado libanês não pode mais aceitar que sua soberania seja contestada de seu interior – seja por partidos militarizados libaneses (Hezbollah) ou por organizações palestinas armadas. Se o governo não assumir suas responsabilidades, que incentivo haverá para a reconstrução do país? O Líbano ficará condenado à miséria.
O Hezbollah deve continuar na coalizão?
Não temos nenhum problema com o Hezbollah, desde que ele aceite tornar-se um partido político como os outros.
A solução definitiva seria liberar a política libanesa das divisões religiosas, das quais os países da região têm tirado proveito?
Se o governo se mantiver paralisado pelas divisões entre as comunidades, não poderá assegurar a reconstrução do país. É preciso caminhar de forma decidida para um Estado civil, no qual os direitos sejam garantidos aos cidadãos, não a comunidades – que devem ter sua existência assegurada. Não podemos continuar com o clientelismo comunitário que paralisa o Estado desde a independência (1943). Não se pode trocar um funcionário a não ser por outro de mesma comunidade, etc. O país não pode mais suportar isso.
A distribuição entre presidente cristão, primeiro-ministro sunita e presidente do Parlamento xiita pode continuar?
Pode. É uma garantia. O importante é que o Estado seja regido pela regra do direito.
É realista esperar isso da atual geração de políticos?
Sim. Se o governo continuar envolto em corrupção e loteamento, estará jogando dinheiro fora, e ninguém vai querer investir aqui. Agora, por exemplo, pode-se criar um comitê não-confessional, formado por gente competente, para administrar os recursos que virão (para a reconstrução). Podemos começar por aí. Acho que o país está ansioso por essa mudança.
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