‘Exército reflete divisões religiosas’

General que comandou ala muçulmana na guerra civil diz que, se militares tiverem de combater o Hezbollah, vão dividir-se

BRUMANA, Líbano- Ele conhece melhor que ninguém a capacidade do Exército libanês de se dividir. O general sunita Samir Khatib comandou a metade muçulmana do Exército, quando ele se partiu em dois, entre 1989 e 1990, no extertores da guerra civil libanesa. Do outro lado estava o general cristão Michel Aoun.

O governo ao qual Khatib pertencia era apoiado pela Síria. Hoje aos 72 anos, na reserva desde 1990, deputado independente entre 1992 e 2005, Khatib não quer mais interferências nem divisões religiosas no Líbano: “Se a guerra acabar já, veremos surgir o novo Oriente Médio que queremos, baseado em Estados nacionais não-confessionais, no respeito e na democracia. O confessionalismo é uma doença.”

O general explica que o Exército libanês, além de mal-equipado, reflete as divisões religiosas do país. Metade do efetivo é xiita. Se se lançasse a combater o Hezbollah, se desintegraria. Ex-ministro do Interior, ele fala também do efetivo, do treinamento e da inabalável disposição do Hezbollah para lutar: “Ele faz a guerra por nossa dignidade, nossa honra.”

No elegante balneário de Brumana, 15 quilômetros a leste de Beirute, numa região montanhosa onde os libaneses vêm se refugiar do calor do verão, Khatib concedeu, num francês pausado, esta entrevista ao Estado.

Para onde essa guerra está levando o Líbano?

Israel quer empurrar os libaneses a retomar a guerra civil. Por que destruir todas as pontes? Por que cortar todas as rotas marítimas? Por que bombardear os portos? Eles certamente têm um plano. Eles querem tornar os libaneses responsáveis por tudo o que o Hezbollah faz. Não somos responsáveis. O Hezbollah é um partido libanês. É uma organização libanesa que tem uma doutrina, é membro do Conselho de Ministros e da Assembléia Nacional. E é uma organização que faz a guerra por nós, libaneses. Por nossa dignidade, nossa honra.

E qual é o sentimento neste momento na corporação do Exército libanês?

O Exército libanês é a cópia do povo libanês, composto de 18 confissões (grupos religiosos). É por isso que não há um entendimento no interior do povo libanês e nem do Exército. O Exército se divide quando o povo libanês se divide. É por isso que, se o Exército for combater o Hezbollah como uma organização terrorista, vai imediatamente se cindir. E nós temos essa experiência. Entre 1982 e 1996 ficou completamente dividido, entre quatro ou cinco partes, de acordo com a confissão. Israel quer nos forçar a enfrentar o Hezbollah. Não podemos.

Qual o efetivo do Hezbollah?

Tem várias categorias. Há as forças especiais, treinadas aqui, na Síria e no Irã. São 8 mil. Há os que são como militares de carreira, muito bem pagos, e somam 24 mil. E há a chamada mobilização geral, que tem mais de 80 mil. Eles fizeram um plano de revezamento dos combatentes no front, a cada 12 horas. Os combatentes não aceitaram sair. Eles querem morrer, para ir ao paraíso.

Qual a solução, então?

Queremos abrir a porta para o Hezbollah entrar no jogo político. Quando eles forem co-proprietários, terão interesse de fazer a paz, de manter a ordem, organizar o país. Combater o Hezbollah é muito mais perigoso. Ele se torna incontrolável.

Como é o efetivo e o equipamento do Exército libanês?

Tem 12 brigadas, ou seja, 36 mil homens, muito bem treinados. Contando com o pessoal que serve a esses homens, o total são 54 mil. O moral está muito bom atualmente. Não é confessional. A organização é muito boa. É um Exército jovem, com idade média de 32 anos. Mas seu equipamento é ultravelho. Os veículos são dos anos 60. Somos muito pobres materialmente. Se entrássemos nessa guerra, seríamos aniquilados por Israel em questão de horas. No entanto, o Hezbollah, fazendo a guerra de guerrilha, desfez o mito da invencibilidade do Exército israelense.

Quando e como essa guerra vai acabar?

Há duas possibilidades. Se a guerra continuar, vai engendrar o que Israel e os Estados Unidos desejam: um Oriente Médio formado por pequenos Estados confessionais e étnicos. Se ela acabar já, veremos surgir o novo Oriente Médio que nós queremos, formado por Estados nacionais não-confessionais baseados no respeito e na democracia. O confessionalismo é uma doença.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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