Grupo, que já se dedica à reconstrução do Líbano, tem os melhores hospitais e dá bolsas de estudos e pensão mensal
KABRIKHA, Sul do Líbano – No caminho de Beirute para Kabrikha, Hassan Nasrallah, o líder do Hezbollah, faz um discurso no CD tocado no carro: “Onde você estava em 1982?”, pergunta ele, referindo-se à invasão de Israel, que deu origem ao Hezbollah. “No Brasil”, responde Maria em árabe, e a família ri.
“Quem é você?”, pergunta de novo Nasrallah, sobre o fundo de uma música marcial. “Seyed Hassan”, responde Hadi, o caçula de quatro anos, chamando-o pelo título que se dá aos descendentes de Maomé.
Quando se vai aproximando de sua casa de veraneio em Kabrikha, no Sul do Líbano, Maria observa incrédula a destruição: “Faz 12 anos que venho aqui, e não estou reconhecendo esse lugar.” Sua casa, no entanto, da qual ela fugiu com os filhos no início dos bombardeios, ficou praticamente intacta: só vidros quebrados, pelo impacto das explosões.
Enquanto percorremos os 120 quilômetros ao sul de Beirute, ela conta como veio parar aqui. Maria Mafioletti Vitt conheceu Ibrahim Hijazi quando tinha 16 anos. Como tantos moradores de Foz do Iguaçu, ela trabalhava numa galeria em Ciudad del Este. Hijazi ajudava o irmão mais velho, Mohamad, na loja da família, na mesma galeria. Descendente de alemães e italianos, Maria se converteu em muçulmana xiita, casou-se e mudou-se com Ibrahim para o seu Líbano natal.
Seis meses depois de chegarem ao país, no dia 22 de maio de 1994, Ibrahim partiu, dizendo que ia estudar religião na Síria. Dez dias depois, morreu num bombardeio israelense, num campo de treinamento do Hezbollah nas montanhas de Baalbek, junto com 31 combatentes. O filho do casal, Khalil, tinha então um ano de idade. Mohamad, que se estava separando, pediu a cunhada viúva em casamento. Ela aceitou. Hoje, o casal vive em Beirute com três filhos seus e outros dois dos casamentos anteriores.
Por ser filho de mártir, Khalil recebe donativos de 12 padrinhos, que contribuem com US$ 50 a US$ 200 cada um por mês. Quando completar 18 anos, poderá retirar esse dinheiro. Será um rapaz rico. Os pais de Ibrahim, assim como Maria e Khalil, têm acesso livre aos hospitais do Hezbollah, considerados de primeira qualidade. Khalil freqüenta uma escola particular cuja anuidade de US$ 1.300 é paga pela organização. Se continuasse viúva, Maria receberia US$ 300 por mês; por ter-se casado, recebe US$ 150.
No Sul do Líbano, em Dahye, região xiita de Beirute, e no Vale do Bekaa, integrantes do Hezbollah percorrem as áreas destruídas para fazer relatórios sobre o que precisa ser reconstruído e ajudar as famílias desabrigadas. “O governo libanês vai embolsar o dinheiro da ajuda dos países árabes, e quem vai realmente reconstruir tudo é o Hezbollah”, prevê Mohamad, que importa móveis e portas de madeira de uma fábrica no Paraná, e pretende obter contratos com a organização xiita.
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