Área em que guerrilheiros e pessoas comuns viviam teve cerca de 100 predios destruídos
BEIRUTE – Nada ficou no lugar no apartamento dos vizinhos do xeque Hassan Nasrallah. O prédio onde morava e trabalhava o líder do Hezbollah, no bairro de Haret Hreik, sul de Beirute, foi arrasado no primeiro dia de bombardeios israelenses, 12 de julho. Os mísseis fatiaram pela metade – como uma faca cortando um queijo – os dois prédios de nove andares que davam de fundos para o edifício do morador mais ilustre do bairro.
A escada que leva aos apartamentos de um desses edifícios semidemolidos ainda está coberta de detritos. No segundo andar, morava uma família que, a julgar pelos sapatos misturados num pequeno armário do corredor, devia ter um casal de adultos, meninas e meninos. Ao lado dessa sapateira, caiu uma caixinha azul, um porta-trecos, com bijuterias, o retrato de um velho com um capuz, um chaveiro de pedra com a bandeira do Brasil e um cartão da Sociedade Islâmica de Saúde com o nome: Walla Youssef al-Youssef.
Os quartos estão na parte que foi arrancada pelos mísseis. A sala foi sacudida como a cabine de um navio naufragando, os sofás arrastados até a mesinha de centro, sob a esquadria de alumínio da porta que dá para a sacada destruída.
Nasrallah e seus companheiros estavam cercados de pessoas comuns. Ele mesmo ocupava apenas um andar de um prédio de dez. O restante eram famílias. O forte esquema de segurança do Hezbollah no bairro permitia essa mescla: ninguém, nem mesmo a polícia, entrava na área chamada de Praça da Segurança sem autorização dos milicianos, que continuam controlando a circulação nas quadras mais sensíveis, com fuzis AK-47 pendurados nos ombros.
Em torno das áreas interditadas, a marca da organização do Hezbollah: até as fitas amarelas que bloqueiam a passagem têm a inscrição em inglês “a vitória divina”, tradução literal de Nasrallah, e slogan do Partido de Deus para o desfecho dessa guerra com Israel.
O Estado fez ontem um tour em Haret Hreik com um funcionário de nível gerencial do Hezbollah. De acordo com ele, cerca de 100 prédios foram destruídos pelos mísseis no bairro, dos quais 20 tinham escritórios do Hezbollah. Com exceção da sede da Al-Manar, a emissora de TV do Hezbollah, que utilizava todos os cinco andares do edifício e mais dois subterrâneos, o grupo não ocupava os outros prédios inteiros – apenas um ou dois andares de cada.
Como qualquer organização militar, conta o funcionário, o Hezbollah tinha níveis de alerta: no primeiro, os civis eram mandados para os abrigos; no segundo, os funcionários não-essenciais eram retirados; no terceiro, os de serviços essenciais; no quarto, a área era totalmente evacuada. Depois da captura dos dois soldados israelenses, que desencadeou os bombardeios, o Hezbollah entrou em alerta de nível 4, o que, segundo o gerente, poupou todos os líderes e a maioria dos funcionários do grupo.
Além do prédio onde vivia e trabalhava Nasrallah, foram destruídos os edifícios que abrigavam o escritório central do Hezbollah; o centro de relações públicas; o Moassasset al-Shahid, que presta assistência aos parentes dos “mártires”, como eles chamam os mortos em confronto com Israel; e uma clínica de reabilitação para feridos de guerra, entre outros.
O Hezbollah reconstruirá os prédios e distribuirá US$ 12 mil, em dinheiro, para cada família.
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