Em entrevista exclusiva, prefeito de Gaza calcula US$ 2 bilhões em danos
GAZA – Descrita por seus habitantes como uma grande prisão a céu aberto, as condições de vida na Faixa de Gaza já são normalmente muito difíceis, com o bloqueio imposto por Israel desde 2007 e há um ano também pelo Egito. A guerra entre o Hamas e Israel impõe ao 1,8 milhão de habitantes uma luta ainda mais primária pela sobrevivência.
Em entrevista exclusiva ao Estado, o prefeito de Gaza, o engenheiro Nezari Hejazy, calculou em US$ 2
bilhões os prejuízos, agradeceu o apoio do Brasil (que criticou a ofensiva militar israelense) e pediu ajuda para reconstruir a cidade depois da guerra. Segundo Hejazy, logo no começo da ofensiva, lançada dia 8, Israel bombardeou a principal estação de tratamento de esgoto da cidade, que coletava 20 mil metros cúbicos por dia. Agora, 90% desse esgoto é lançado no mar.
Gaza gera normalmente 600 toneladas de lixo por dia, que são transportadas para um aterro 7 km a sudeste da cidade, na fronteira com Israel. Segundo Hejazy, O Exército israelense negou pedido da prefeitura para que garantisse a passagem dos caminhões. Por isso, o lixo – que durante a guerra diminuiu para 450 toneladas por dia – está sendo amontoado ao lado do gabinete de emergência montado pelo prefeito (a sede da Prefeitura também foi bombardeada). A coleta de lixo deixou de ser diária e passou a uma vez a cada dois dias, por causa dos riscos dos bombardeios. Dois funcionários da Prefeitura já foram mortos a serviço e muitos ficaram feridos, segundo o prefeito.
Dez grandes poços abasteciam a cidade com água. Seis foram totalmente destruídos e outros quatro, parcialmente danificados. Foi implantado um racionamento, pelo qual cada bairro recebe seis horas de água por dia, que chega no nível da rua. A maioria das pessoas mora em prédios, e só quem pode pagar gerador consegue bombear a água para os andares de cima, por causa da falta de eletricidade.
A única usina geradora de energia, situada perto de bases de lançamentos de foguetes do Hamas, foi bombardeada. Das dez linhas de transmissão de eletricidade que vêm de Israel, apenas de uma a três estão funcionando, disse Ramzi Hamada, diretor da companhia de distribuição de eletricidade. “Tentamos reparar as outras sete, mas o material de reposição também foi destruído, e nosso pessoal corre risco de vida.” Restam também duas linhas que trazem eletricidade do Egito para Rafah, no sul da Faixa de Gaza. Dos 240 megawatts de energia consumida pela Faixa de Gaza, 120 vêm de Israel, 60 da usina e 30 do Egito. Gaza poderia consumir 420 megawatts, afirma o diretor.
Khalil Yaziy, dono de um dos maiores supermercados de Gaza, diz que não recebe produtos novos desde que a guerra começou. As vendas caíram 50% e mesmo assim os preços subiram 40%, por causa dos custos de refrigeração. Antes, a conta mensal de luz do supermercado era US$ 4 mil. Agora, Yaziy gasta US$ 400 por dia em gerador. “Estou tendo prejuízo, mas faço isso para não perder minha mercadoria”, disse ele. “Mesmo assim, os produtos estão estragando e perdendo a validade”, acrescentou, enquanto um funcionário tirava sorvetes do freezer para jogar fora.
Os preços também subiram no mercado de Zawiya, no centro de Gaza. O quilo da cebola produzida na Faixa de Gaza custa o equivalente a R$ 7,80. Os produtores não podem colher por causa da guerra. O feirante Abdel Karim Ajur está vendendo cebola importada de Israel, por R$ 14,80 – quase o dobro do preço.
Outro feirante, Haytham Ashur, conta que enfrenta os bombardeios na estrada e viaja com sua caminhonete todos os dias para ir buscar batatas e berinjelas em Khan Yunis, 32 km ao sul de Gaza, e em Rafah, a 36 km, no epicentro da operação israelense de destruição de túneis. “Preciso disso para viver”, explica ele. A batata dobrou de preço, por causa da escassez e da dificuldade de colher. A berinjela quintuplicou.
O açougueiro Hassan Shawa conta que as vendas de carne caíram pela metade. Mesmo assim, Gaza tem apenas mais dois dias de estoque. A importação do boi vivo da Europa e da Austrália, passando por Israel, parou há quase um mês, com o início da guerra.
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