Tel-Aviv diz que não negociará com ‘terroristas’ e ameaça bloquear repasses à Cisjordânia
BEIRUTE – O governo israelense ameaçou ontem reagir com um “vasto arsenal de medidas” contra o acordo entre o grupo fundamentalista islâmico Hamas e a liderança moderada palestina do Fatah, anunciado na quarta-feira. Dentre as represálias citadas pelo ministro das Relações Exteriores, Avigdor Lieberman, está o bloqueio de US$ 800 milhões de impostos que Israel repassa anualmente à Autoridade Palestina, e que representam um terço de sua receita. Outra retaliação seria impor aos dirigentes palestinos as humilhantes e demoradas revistas e averiguações a que os palestinos comuns estão submetidos nos pontos de controle entre a Cisjordânia e Israel.
“Com esse acordo, uma linha vermelha foi cruzada”, declarou Lieberman à Rádio Israel. “Sempre deixamos claro que não negociaremos com uma organização terrorista”, continuou, referindo-se ao Hamas, que não reconhece o Estado de Israel, mas aceita a possibilidade de um “cessar-fogo de longo prazo”, caso o país se retirasse dos territórios ocupados. “Temos de mostrar que nossas palavras não eram ameaças vazias.”
O acordo, mediado pelo Egito, cria um “governo de união nacional” composto pelo Hamas, que controla a Faixa de Gaza, e o Fatah, que governa a Cisjordânia. O Hamas expulsou o Fatah de Gaza numa breve guerra civil em 2007. O acordo prevê também a realização de eleições presidenciais e parlamentares nos dois territórios no ano que vem. As últimas eleições, em 2006, foram vencidas pelo Hamas, mas o Fatah, apoiado pelas potências ocidentais, não aceitou a derrota.
O chanceler é conhecido como um político de linha dura, mas a reação do presidente Shimon Peres, mais moderado, demonstra que o acordo com o Hamas mexe com os nervos dos israelenses, já assustados com a queda em fevereiro do ex-presidente Hosni Mubarak, que representava um anteparo ao fundamentalismo no vizinho Egito, e com a rebelião na Síria, cujo ditador Bashar Assad não é aliado de Israel, mas mantinha a estabilidade do país, com o qual também faz fronteira.
“O acordo é um erro fatal que impedirá o estabelecimento de um Estado palestino e sabotará as chances de paz e estabilidade na região”, afirmou Peres. Na quarta-feira, no calor do surpreendente anúncio, o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, também de linha dura, já havia reagido: “A Autoridade Palestina tem de escolher entre a paz com Israel e com o Hamas. Não há possibilidade de paz com ambos.”
No outro extremo dos interesses regionais, o governo iraniano, que apoia o Hamas, celebrou o entendimento. “Esse é o primeiro triunfo do grande povo egípcio no que se refere à Palestina depois dos acontecimentos no Egito, e o esforço do governo egípcio é apreciado”, disse o ministro das Relações Exteriores do Irã, Ali Akbar Salehi. Ele disse esperar para breve a abertura do posto de fronteira de Rafah, que liga a Faixa de Gaza ao Egito, e cujo fechamento por Mubarak desde que o Hamas assumiu o controle do território asfixia sua economia. O Egito e o Irã eram rivais regionais até a queda de Mubarak. No mês que vem, Salehi deve reunir-se com o chanceler egípcio, Nabil al-Arabi, para realinhar as relações entre os dois países.
“Desgostem, concordem ou discordem, eles (o Hamas) são nosso povo”, disse o presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, durante um encontro com pacifistas israelenses. “O Sr. Netanyahu é nosso parceiro.” Palestinos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza festejaram o acordo. Mas uma manifestação de cerca de cem palestinos em Gaza, de ativistas que haviam lutado antes pela união das duas facções, foi reprimida pela polícia do Hamas a golpes de cassetete.
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