Acordo inclui proteção de populações xiitas em área disputada entre Estado Islâmico e curdos
O primeiro resultado concreto de uma discreta aproximação entre a Turquia e o Irã veio à tona nesta quarta-feira, com uma trégua de 48 horas no oeste e no norte da Síria. A partir das 6 horas locais (0 hora em Brasília), cessaram os confrontos entre o Exército sírio e a milícia xiita libanesa Hezbollah, de um lado, e os grupos sunitas Ahrar al-Sham e Frente Al-Nusra, de outro.
O Hezbollah (Partido de Deus) é patrocinado pelo Irã. O Ahrar al-Sham (Homens Livres do Levante) pertence a uma coalizão de células insurgentes apoiadas pela Turquia, chamada de Al-Fatah (Abertura). A Al-Nusra (Defesa, ou Apoio) é a franquia da Al-Qaeda na Síria. Ambos estão lutando juntos, em uma aliança tática. Trata-se portanto de uma luta sectária: o Hezbollah e o Irã são xiitas, e o regime sírio é alauíta, uma ramificação do xiismo; enquanto que a Turquia, o Ahrar e a Nusra/Al-Qaeda são sunitas.
A trégua, que, se bem-sucedida, pode evoluir para um cessar-fogo, foi negociada por representantes turcos e iranianos. O Irã tem forte ascendência sobre o regime de Bashar Assad. Os combatentes do Hezbollah, bem armados, treinados e motivados, têm ocupado grande parte do espaço que seria do Exército sírio, incapaz de utilizar o seu contingente de soldados sunitas – a maioria da população na Síria – para defender o regime, hoje apoiado predominantemente pelas minorias alauíta e cristã.
A trégua inclui a cidade de Zabadani, controlada pelos rebeldes, 45 km a noroeste de Damasco e a 10 km da fronteira com o Líbano; e os vilarejos de Kefraya e Al-Foua, de população xiita, na província de Idlib, norte da Síria, na fronteira com a Turquia, sob ataque da frente pró-turca Al-Fatah. A Al-Nusra já havia cessado suas ações nessa área há uma semana, a pedido da Turquia.
O governo turco tem como objetivo criar uma faixa tampão, ou seja, uma zona de segurança, na região onde estão Kefraya e Al-Foua, para conter o avanço dos guerrilheiros curdos, que vinham enfrentando o Estado Islâmico nessa área. A atuação dos curdos preocupa a Turquia por causa de seus anseios de autonomia.
O acordo com o Irã implica um compromisso de proteção da população xiita desses vilarejos. Pode se tornar um primeiro passo importante para a construção de confiança entre as duas potências regionais sunita e xiita. Para ser bem-sucedido, requer a anuência da Arábia Saudita, Catar e Emirados Árabes Unidos, que também apoiam grupos sunitas na Síria. Essa costura cabe à Turquia, que tem se aproximado das monarquias sunitas do Golfo, com apoio dos Estados Unidos.
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