Bento XVI reza em mesquita turca

Depois de se abster de rezar numa antiga igreja, papa faz prece pela fraternidade na Mesquita Azul de Istambul

ISTAMBUL – Num sinal dos tempos, o papa Bento XVI se absteve ontem de rezar numa antiga igreja, mas fez uma prece numa mesquita. Foram mais dois de uma série de gestos de Bento XVI, desde sua chegada à Turquia, na terça-feira, para apaziguar os ânimos no primeiro país muçulmano que ele visita como papa, depois de uma citação crítica ao profeta Maomé, feita em setembro. Apesar deles, a presença do papa gerou protestos de dezenas de pessoas, dispersos pelo formidável aparato de segurança mobilizado tanto para proteger o papa quanto para evitar manifestações.

Num fim de tarde frio e escuro de começo de inverno em Istambul, o papa visitou o Museu de Santa Sofia. Durante os 40 minutos em que Bento XVI permaneceu na antiga basílica, muitos turcos ficaram com os olhos grudados na televisão, que transmitia ao vivo a visita, para ver se ele rezaria, violando a lei do país. Originalmente uma igreja erguida na segunda metade do século 4.º pelo imperador romano Constantino, e reconstruída duas vezes depois de violentas insurreições contra o império bizantino, Santa Sofia (dedicada não a uma santa, mas à sabedoria) foi convertida em mesquita em 1453, pelo sultão Mehmet II, o conquistador. Mas em 1923, depois de fundar a república turca sobre a base do secularismo, Mustafa Kemal Ataturk dessacralizou o lugar, e proibiu que se rezasse nele.

O papa estampou um olhar indecifrável enquanto o governador de Istambul, Muhamar Gülar, guiou-o no interior da antiga basílica, em cujas paredes, imagens da Virgem Maria, de Jesus, de santos e de anjos se mesclam com versos do Alcorão; seu exterior também é um híbrido arquitetônico, de uma gigantesca basílica – a maior de seu tempo – com quatro minaretes fincados a seu redor.

No dia 22, cerca de cem nacionalistas islâmicos turcos entraram no museu e fizeram uma oração, em protesto contra a visita do papa. Quarenta acabaram presos. Quando visitou a Turquia, em 1967, o papa Paulo VI rezou em Santa Sofia. O gesto não agradou, mas não teve maiores conseqüências: os tempos eram outros.

O comboio de Bento XVI atravessou uma praça e parou na Mesquita Azul, a maior e mais famosa de Istambul, construída no século 17 pelo sultão otomano Ahmet I. Dessa vez guiado pelo múfti (líder muçulmano) de Istambul, Mustafa Çagrici, o papa se mostrou maravilhado com os azulejos que dão o apelido à mesquita, cujo nome oficial é Sultão Ahmet.

“Agora, vou rezar”, avisou o múfti. Voltando-se para Meca, o papa o acompanhou e fechou os olhos, com os braços cruzados sobre o peito, sem fazer o sinal da cruz. Ao deixar a mesquita, o papa foi ouvido dizendo ao múfti: “Obrigado por esse momento de oração”. O múfti presenteou o papa com um quadro de azulejo representando uma pomba. Bento XVI retribuiu com um mosaico, formando quatro pombas.

“Vamos rezar pela fraternidade e por toda a humanidade”, propôs Bento XVI, o segundo papa a visitar uma mesquita, depois da viagem de João Paulo II à Síria, em 2001. “Sua vinda aqui dá uma nova dimensão às relações entre cristãos e muçulmanos”, agradeceu o múfti. A visita à mesquita foi incluída de última hora, no domingo, no programa da viagem, cujo propósito é estreitar o diálogo com os cristãos ortodoxos (ver Separação entre cristãos é um ‘escândalo’, afirma papa).

Do lado de fora, os gestos de Bento XVI não pareciam sensibilizar os turcos. “Ele não pediu desculpas pelo que disse sobre o profeta Maomé”, queixou-se Ismail Tanri Verdi, que foi ao local protestar contra a presença do papa. “Nem que ele me oferecesse US$ 1 milhão eu lhe venderia um tapete, por causa das coisas ruins que ele disse sobre nossa religião”, disse Nufel Ceitinkaya, dono de uma loja no bazar próximo a Santa Sofia. “O que ele e os cristãos fariam, se disséssemos as mesmas coisas sobre Jesus?”, perguntou Buket, uma mulher de 28 anos, vestida num chador (que cobre todo o corpo e o rosto) preto.

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