Papa lembra padre morto por islâmico

Bento XVI reza por vítima de fanático muçulmano; Al-Qaeda denuncia visita como ‘campanha dos cruzados contra terras do Islã’

SELÇUK, Turquia – O papa Bento XVI reviveu ontem um pouco do espírito dos primeiros dias do cristianismo, ao visitar uma pequena casa de pedra no alto de um monte onde, segundo a tradição católica, a Virgem Maria passou seus últimos anos, protegida pelo apóstolo João Evangelista. Numa cerimônia extraordinariamente despojada, o papa lembrou o padre assassinado no início do ano na Turquia, rezou pela reduzida minoria cristã no país e pediu a união das diversas correntes do cristianismo.

“Eu quis transmitir meu amor pessoal e minha proximidade espiritual, junto com a da igreja universal, pela comunidade cristã aqui na Turquia, uma pequena minoria que enfrenta muitos desafios e dificuldades diariamente”, disse Bento XVI, diante de cerca de 500 católicos turcos – na verdade, uma minoria dentro da minoria. Dos 72 milhões de turcos, cerca de 90 mil são cristãos – e desses, 20 mil são católicos romanos.

“Vamos cantar alegremente, apesar das dificuldades e perigos, como nos ensinou o belo testemunho dado pelo padre Andrea Santoro, que eu tenho o prazer de recordar nesta celebração”, continuou o papa, referindo-se ao sacerdote morto a tiros por um jovem turco, quando estava ajoelhado rezando em sua igreja, no porto de Trabzon, no Mar Negro, aparentemente em represália contra a publicação de caricaturas do profeta Maomé por um jornal dinamarquês.

Vigiados por um forte esquema de segurança, que incluiu um helicóptero da polícia sobrevoando o Monte Pion durante as cinco horas e meia em que Bento XVI permaneceu no local, os fiéis agitavam bandeiras do Vaticano e da Turquia e palmas, gritando: “Viva o papa”. O céu azul e a temperatura de 15 graus, considerada amena para essa época do ano, foi considerada uma “bênção” por muitos dos presentes.

“Desta margem da península da Anatólia, ponte natural entre os continentes, invocamos a paz e a reconciliação, antes de tudo para os que vivem na terra que chamamos de santa e como tal é considerada pelos cristãos, judeus e muçulmanos”, disse o papa, referindo-se ao conflito árabe-israelense. “Necessitamos desta paz universal”, acrescentou, durante a missa campal – sua primeira num país muçulmano – que rezou em frente ao santuário de pedra.

Devoto de Maria, o papa lembrou que ela “também é amada e venerada pelos muçulmanos” (que, no entanto, não aceitam a sua concepção pelo Espírito Santo, nem o caráter divino de Jesus, para eles um profeta exclusivamente humano, como Abraão e Maomé). Na terça-feira, em Ancara, o papa se reuniu com autoridades políticas e religiosas da Turquia, e ambos os lados pediram a união das religiões. Uma citação feita por Bento XVI em setembro, associando o islamismo à violência, gerou protestos no mundo muçulmano, o último dos quais reuniu mais de 20 mil pessoas em Istambul, no domingo. O papa estendeu seu apoio até mesmo à entrada da Turquia na União Européia, contra a qual se declarara em 2004, quando era prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.

Os gestos conciliatórios não convenceram o ramo da Al-Qaeda no Iraque. “A visita do papa é na verdade para consolidar a campanha dos cruzados contra as terras do Islã depois do fracasso dos líderes cruzados, e uma tentativa de extinguir a chama do Islã dentro de nossos irmãos turcos”, diz uma mensagem atribuída ao grupo em um site comumente usado por ele na internet. “O papa quer que a Turquia, outrora um bastião do Islã, continue secular e caia nas mãos da União Européia para conter a expansão do Islã. Estamos confiantes na derrota de Roma em todo o mundo islâmico.”

O Vaticano reagiu rapidamente. “Esse tipo de mensagem mostra uma vez mais a urgência e a importância de um compromisso comum de todas as forças contra a violência”, disse o porta-voz da Santa Sé, Federico Lombardi. “Mostra, ainda, a necessidade de as variadas fés dizerem ‘não’ à violência em nome de Deus.”

Bento XVI e os dez cardeais que o acompanham aterrissaram às 10h30 no aeroporto de Esmirna, a terceira maior cidade da Turquia, na costa do Mar Egeu, e de lá percorreram de carro os 100 quilômetros até o Monte Pion, em cujo pé estão as ruínas da antiga Éfeso e a cidade moderna de Selçuk. No fim da tarde, ele seguiu para Istambul, onde foi recebido pelo patriarca Bartolomeu I, líder ecumênico dos ortodoxos, com quem voltará a se reunir hoje e amanhã.

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