Rituais esotéricos, teatro ao ar livre, tenda com projetor de cinema embalam as noites no Acampamento da Juventude
PORTO ALEGRE – Noite de sábado no Acampamento Internacional da Juventude. Pouca gente que está acampada saiu para curtir a noite nos bares de Porto Alegre. Ao contrário, muitos moradores da cidade vieram passear no Parque da Harmonia, onde está instalado o acampamento: a diversão está aqui.
São 9 da noite quando o guru mexicano Oscar Vento Elétrico inicia o seu ritual cósmico, inspirado nas práticas dos xamãs maias.
Os discípulos formam um semicírculo. O da extremidade sai, pára na frente do próximo, espalma as duas mãos nas dele, e recita uma prece: “An lak eish”, todos somos um, em idioma maia. O próximo o segue e o semicírculo vai-se movendo. Alguns se demoram mais tempo do que requer a prece, quando alguém em particular sintetiza seu interesse pela humanidade. O ritual parece o equivalente esotérico dos bailinhos do interior: uma chance de contato físico com indivíduos do sexo oposto – ou do mesmo, segundo as predileções de cada um.
Alguns têm o olhar embaçado e o sorriso dormente propiciados pela maconha. Não se consome muita bebida alcoólica na praça de alimentação montada sob uma lona branca de plástico. Mas o cheiro de maconha se espalha pelas pequenas barracas, muito próximas umas das outras. Seguranças e policiais controlam o acesso e circulam pelo acampamento, e o ambiente é ordeiro.
Num círculo ao lado, uma peça de teatro está sendo encenada. Uma lata com fogo e duas tochas acesas parecem representar o inferno. Uma garota vestida de negro lança imprecações demoníacas contra uma moça de blusa rosa e saia marrom, que tenta se livrar dela, enquanto uma terceira garota de preto, com as mãos acorrentadas, resigna-se à sua danação, pronunciando frases incompreensíveis.
Na área das atividades circenses, começa um corre-corre. Um dos artistas se entusiasmou com os fogos de artifício e está disparando os foguetes na horizontal, enquanto os assistentes fogem rindo em todas as direções.
Mais e mais voluntários se juntam ao ritual de Vento Elétrico. Os discípulos se abraçam e formam uma fila circular, como de trás massageando os ombros e o pescoço do da frente. O guru, mais holístico, massageia todo o tronco e cintura de sua companheira da frente, causando-lhe cócegas.
Agora se sentaram em fila, ainda formando uma roda, e se deitam sobre o parceiro de trás, que lhes acaricia a cabeça. Alguns da platéia querem entrar, mas o círculo já está completo. “Agora, deixa rolar”, aconselha uma espectadora, apontando para alguns participantes que mantêm o pescoço teso. “Fechem os olhos para que estejam mais relaxados”, pede o guru, em espanhol.
Vento Elétrico orienta os discípulos a se levantarem. Saem correndo, de mãos dadas, formando um “trenzinho”. Quatro meninos de rua se juntam ao fim da fila, dando gargalhadas. A fila vai dando volta em torno de si mesma, formando o “caracol da energia”. Os discípulos, agora uns 30, formam um bolo de gente, repetindo o cântico de Vento Elétrico: “Todos somos um, sempre, sempre, sempre.” Seguido de um “ooooooh”. O ritual dura duas horas.
Para quem prefere passatempos mais convencionais, na grande tenda armada na beira do Rio Guaíba, há uma sessão de cinema brasileiro, com seis curta-metragens e o longa Bicho de Sete Cabeças. No caminho, uma roda de hip hop dança ao ritmo apenas das palmas.
Do outro lado, no Palco do Pôr-do-Sol, a Velha Guarda da Portela está se apresentando. Na platéia, o mesmo mastro traz uma bandeira de Cuba e embaixo uma menor, do Brasil. O refrão do samba diz assim: “Espero que a natureza faça você mudar de opinião.”