Corpo conquista Europa com Nazareth e Mozart

O grupo de dança mineiro recebeu elogios dos jornais ingleses, alemães e franceses

LONDRES — “Tecnicamente, o Grupo Corpo é tão completo quanto qualquer companhia norte-americana ou européia.” A comparação do jornal britânico The Independent, uma reação muito comum no Primeiro Mundo à companhia de dança brasileira, provoca sentimentos ambíguos no grupo.

Há um óbvio elogio, que no caso do Independent é concluído assim: “Artisticamente, a última coreografia da companhia é provocativa, inovadora e impregnada de forca intelectual”. Mas ao Grupo Corpo não escapa um elemento de preconceito na surpresa com que suas apresentações são recebidas. 

“As pessoas vão para o teatro com o nariz torcido, mas com uma certa curiosidade mórbida de ver algum show de mulatas”, disse ao Caderno 2 Fernando Velloso, o cenógrafo e coordenador de programação da companhia, que está encerrando sua turnê européia por Londres. “Para nós, como brasileiros, é sofrido perceber que existe esse preconceito a respeito do País.”

Um anticlímax que contribui para o choque de quem assiste com olhos europeus à exuberância não só estética mas também técnica do Grupo Corpo, que combina em suas apresentações a Missa do Orfanato, de Mozart; 21, uma obra conceitual que brinca com o número; Nazareth, uma mistura de erudito e popular com música de José Miguel Wisnick em homenagem a Ernesto Nazareth; e 7 ou 8 Peças para um Balé, com trilha encomendada a Phillip Glass. O acabamento final é a música do Uakti, com seus ritmos “excêntricos e hipnóticos”, como diz outro jornal britânico, The Observer. “Fugimos do estereótipo do exótico, mas ao mesmo tempo criamos um conceito próprio”, orgulha-se o coreógrafo Rodrigo Pederneiras. 

Desde 1983 o Corpo não vinha à Inglaterra. A turnê passa por quatro cidades, terminando em Londres. Nesse giro de 35 dias pela Elropa, a companhia esteve antes na Alemanha e na Bienal de Lyon, na França. Por onde passou, deixou rastros de admiração. “Na dança do Grupo Corpo repousa um mundo de sentimentos e de impulsos”, comentou o jornal alemão Welt am Sonntag. “A excelente companhia de dança brasileira foi aclamada com aplausos.” A platéia alemã nem sempre é tão generosa diante de incursões forasteiras em peças como as de Mozart. 

Em Lyon, os ingressos para o Grupo Corpo estavam esgotados um mês antes das apresentações. “Um choque, uma revelação”, exclamou Le Figaro. “Dançarinos excepcionais num repertório muito original”, acrescentou o crítico do jornal francês, referindo-se a 21 e a Nazareth. “O Brasil teve uma estréia memorável na 6ª Bienal da Dança.” 

A companhia passa boa parte do tempo no exterior. A agenda está praticamente fechada até o final de 95, com compromissos já para 96. Em fevereiro esteve na Espanha, em maio no Canadá. Em breve voltará para Nova York. O grupo viaja com 26 pessoas, das quais 18 bailarinos. O orçamento de US$ 1,2 milhão por ano é composto de um patrocínio da Shell de US$ 700 mil, e o restante coberto pelo cachê das viagens e bilheteria no exteriores. 

O contrato com a Shell foi assinado em 1989, pouco antes de o então presidente Fernando Collor derrubar a Lei Sarney de incentivo à cultura. Mas a Shell bancou seus projetos. Rodrigo Pederneiras, portanto, não pode ser acusado de amargura quando afirma, comentando a ausência de incentivos oficiais à arte no Brasil: “Esse desleixo com a cultura é bem o retrato de um país que não conseguiu até hoje chegar a lugar nenhum.”

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