Galeria Whitechapel reúne 60 obras na maior retrospectiva do artista desde sua morte em 62.
LONDRES — Em 1949, o pintor Franz Kline observava as imagens de desenhos seus ampliadas por um projetor. O pintor ficou impressionado com o impacto subjetivo dessas composições. A partir daí, Kline, que até então vinha trabalhando com pinturas realistas, começou a desenvolver uma forma pessoal e altamente expressiva de arte abstrata.
Com traços fortes, em geral tinha preta sobre a tela branca, Kline se tornou um grande expoente do expressionismo abstrato, a escola que tornou Nova York um dos grandes centros da pintura mundial do pós-guerra.
A Galeria Whitechapel de Londres reuniu 60 obras da chamada fase madura de Kline, de 1947 até sua morte em 1962. É a maior retrospectiva do pintor em Londres — onde estudou, na Heatherly’s Art School — desde a de 1964, realizada pela própria Whitechapel, especializada em pintura abstrata. Franz Kline, a Arte e a Estrutura da Identidade, é um choque do primeiro ao último quadro. Se se trata de uma pintura gestual (espontânea) ou não, a discussão é infinita, mas não há critico que tenha posto em dúvida a qualidade desses quadros.
Os traços fortíssimos de Kline têm o arrebatamento de algo concebido num instante, num impulso. Ao mesmo tempo, há uma tensão e um equilíbrio que sugerem movimentos estudados à exaustão. Eles são as duas coisas, e a prova disso está nos estudos que acompanham alguns quadros nesta exposição. Mais que esboços, eles são em geral perfeitas reduções ou detalhes da obra, que Kline executava em grandes formatos.
Embora os traços de Kline estejam totalmente desvinculados (libertos, preferem os seguidores do abstracionismo) de qualquer representação do mundo das aparências, há pelo menos um grande tema ou inspiração: o universo urbano. Como em Meryon, a ponte do Brooklyn reconstruída pela pintura e reeditada como um símbolo. E Palladio, traços que lembram a cidade borrada, vista de um veículo em alta velocidade, talvez numa free way.
Kline chegou a chamar os quadros mais singelos de A Ponte e A Figura. Com base nesta última, de 1956, os críticos especulam se o pintor não retornaria ao figurativismo, caso tivesse sobrevivido ao ataque cardíaco de 1962 (aos 51 anos). E há ainda o Acento Grave, onde este sinal gráfico desponta de um emaranhado de traços. Kline não permitiu que o compromisso abstracionista o tolhesse.
O quadro Thorpe, que significa em inglês aldeia, vilarejo, é um dos mais intrigantes. A figura é uma massa de tinta preta no centro, com a forma parecida à de um tronco, um dorso humano. Esse objeto parece se equilibrar precariamente sobre uma base, como se fosse uma escultura deslocada de seu pedestal. Mas basta um piscar de olhos para que a pintura perca esse sentido, e a estrutura recrie a identidade, para usar os conceitos sugeridos no título da exposição.
Mas Kline não é só conceito. Assim como a tela não é um simples suporte. O branco tem tanto peso quanto o preto nas composições, cada um disputa seu espaço e concorre com o significado, como na imagem de um filme negativo. As duas cores se interpõem e se intercalam no diálogo entre a frente e o fundo do quadro. Os grandes traços dialogam entre si, e a variação na relação entre eles cria um jogo entre simetria e assimetria. A textura aqui tem um papel importante, que se perde na reprodução e valoriza a exposição.
E apesar de Kline não ter sido valorizado como um colorista, os olhos do visitante da Whitechapel Gallery podem descansar da dramaticidade do preto e do branco. A materialidade adquire cores alegres em Yellow Square, Blueberry Eyes e um Sem Título de 1957.
Mas o drama retorna em Red Painting, uma das mais impressionantes, ou talvez expressivas, prefeririam Kline e seus colegas da New York School of Painting, Jack Son Pollock e Willem de Kooning. Uma massa púrpura contorna uns poucos traços pretos, com um fundo violeta. É a prova de que Kline não precisa do preto sobre o branco e nem de uma imagem reconhecível para lançar seu apelo.